É a
história de amor entre uma jornalista e um botânico durante a ditadura militar.
O homem mora em um sítio, pois quer ficar longe dos acontecimentos. A
jornalista, na cidade, pois é uma mulher engajada no movimento contra o regime
autoritário.
Por
causa de um formigueiro que destrói parte de uma cerca viva, o homem fica
furioso, o que causa indignação na mulher. A partir daí discutem. São expostas
suas contradições ideológicas e subjetivas. Eles seriam a razão e a emoção, em
que um não vive sem o outro. “...a razão
jamais é fria e sem paixão”, pensa ele. No meio da discussão questões são
levantadas, todas de forma bruta e amarga. Ele sabia e elogia a inteligência
dela: ”...não que me metessem medo as
unhas que ela punha nas palavras”.
Ele faz
uma alusão ao regime autoritário e, de certa forma, à natureza do ser humano
quando diz que o povo nunca chegaria ao poder, “porque o povo fala e pensa, em geral, segundo a anuência de quem o
domina”... “a força escrota da autoridade fundamenta toda ‘ordem’, palavra que
incorpora, a um só tempo, a insuportável voz de comando e o presumível lugar
das coisas”. Quando o veneno escorre de sua boca, ele incorpora o canalha
que existe nele e a seduz, buscando os pontos fracos dela: os beijos e os pés
dele. Assim, à medida em que ela se envolve, ela se torna sua presa, é ele quem
manda e ela obedece.
A
solidão povoada de Raduan Nassar, por Pedro Maciel
Raduan
Nassar, autor de "Lavoura Arcaica", "Um copo de cólera" e
"Menina a caminho" afastou-se definitivamente da literatura.
"Desisti de escrever porque há um excesso de verdade no mundo” (Otto
Rank). Segundo Nassar, o que o levou a escrever e depois parar foi a paixão
pela literatura, que ele não sabe como começa essa paixão e porque acaba.
Nassar,
filho de imigrantes libaneses, nascido em 1935, estudou direito, filosofia e
exerceu o jornalismo como diretor do Jornal do Bairro (SP) nos anos 70.
Desencantou-se com a imprensa de uma maneira geral. Hoje ele planta feijão e
milho de pipoca numa fazenda do interior paulista. Raduan, um dos escritores
mais notáveis surgidos no país depois de Guimarães Rosa e Clarice Lispector,
também se recusa a dar entrevistas, afinal, diz o escritor, "sou apenas um
escritor passageiro".
Ao
encontrá-lo recentemente, me lembrei do romance "Lavoura arcaica",
que resgata a tradição cristã e a proibição do incesto, o patriarcado e a
obrigação do trabalho. Os temas característicos do romance são os da tradição
mediterrânea, como a terra, a plantação, a colheita, a mesa e a família. É uma
parábola do filho pródigo, sem final feliz. Narrativa trágica, bíblica e
helênica.
Raduan
é um ser trágico, desiludido, desesperançado, atormentado como o
narrador-personagem da novela "Um copo de cólera" que vive um amor
irreconciliável, perturbador e erótico. Uma paixão devastadora. Os amantes
tentam a todo instante abater um ao outro. Vivem um amor tumultuado, fazendo do
dia-a-dia uma guerra existencial, filosófica e política.
(Pedro
Maciel é poeta, publicou "Longe da terra dentro do ar" (poesia), "Olegário
das Gaiolas” (fábula). Organizou e prefaciou "Poemas Eskolhydos, de
Glauber Rocha, entre outros livros.)