sábado, 15 de junho de 2013

A travessia do albatroz

"A Travessia do Albatroz - Amor e Fuga no Irã dos Aiatolás", de Márcia Camargos, relata a história de um jovem iraniano que foge do seu país após a Revolução islâmica, iniciada em 1979. Baseada no depoimento de Kurosh Majidi (nome fictício), que vive atualmente no Brasil.

O texto apresenta detalhes da cultura do Irã, principalmente quanto ao islamismo, quando o Xá Reza Pahlevi foge do país. Durante seu governo Pahlevi havia tomado medidas, chamadas de muito ocidentais, que não agradavam aos iranianos, que queriam preservar sua identidade. O Xá privilegiou as multinacionais, mesmo depois da nacionalização do petróleo em 1951, e havia se enriquecido com isso.

O aiatolá Khomeini voltou do exílio e proclamou a República islâmica. Mas exerceu o poder restringindo os direitos civis e adotando uma política de intolerância religiosa, em que todo muçulmano deveria obedecer, ao pé da letra, a cada linha do livro sagrado. Na mesma época o país entrou em guerra contra o Iraque. Saddam Hussein, com o apoio dos Estados Unidos, aproveitou a vulnerabilidade dos iraniamos e invadiu o país.

O pai de Kurosh fala um pouco sobre a história do país: O Irã foi formado entre o golfo Pérsico e o mar Cáspio há 2.660 anos. Foram os iranianos que ensinaram álgebra aos árabes, além de arquitetura, química e astronomia. Foi em 1935 que a velha Pérsia adotou o nome de Irã. Seu idioma é o persa, conhecido como farsi. O xadrez havia sido inventado na Pérsia e transmitido aos árabes, assim como todo o restante de sua cultura. “Xeque-mate” significa que o rei está morto.

Kurosh vive atormentado entre cumprir os deveres muçulmanos, colaborando com a guerra, e trabalhar com o pai. Além disso, se apaixona por uma menina de outra religião, conhecida como Zoroastro ou Mazdaísmo. Ele sonhava com a liberdade, o que parecia que só poderia acontecer em outro país. Assim, depois de uma série de mudanças e tragédias na vida de sua família, ele decide fugir.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Serena


“Serena”, de Ian McEvan, é um livro bem interessante. No início, tem-se a impressão de que Serena é uma patricinha que gosta de ler romances do tipo água com açúcar, mas seus questionamentos acerca da vida, política e cultura mostram que ela tem conteúdo. Quando surgem referências históricas, o livro fica mais interessante. A aproximação e o namoro entre Tom e Serena, com os dilemas morais dela por causa dos seus segredos, valorizam a narrativa.
Narrado em primeira pessoa, pela personagem central, Serena é uma jovem,  filha de um bispo anglicano e de uma dona-de-casa. Por insistência da mãe, de aparência conservadora, mas que esconde seus anseios feministas das lutas dos anos 70, ela desiste de estudar Literatura e cursa Matemática em Cambridge, e se forma como uma estudante mediana. A história se passa no auge da Guerra Fria, em uma Europa onde convivem intelectuais de esquerda, em uma Londres aturdida por atentados do IRA.
Ela se apaixona por Tony Canning, um homem mais velho e bastante culto, sem saber que ele trabalhava para uma máquina da informação de interesses conjuntos dos EUA e de seu país, na qual os órgãos de espionagem se dedicam a combater as ideias daqueles que eram contra o totalitarismo. Tom ensina a Serena sobre cultural e política, assim como tenta moldá-la com idéias anticomunistas, a fim de que ela pudesse trabalhar no serviço secreto.
Serena recebe sua primeira missão, chamada “Tentação”, em que deve convencer um jovem escritor e professor universitário a aceitar uma valiosa bolsa de uma fundação que divulgará seu trabalho. O dinheiro virá do serviço secreto, sem que ele saiba. Embora ele tenha liberdade para desenvolver os seus temas, sua obra deve seguir os ideais governamentais. Tentar guiá-lo de acordo com o pensamento de seus superiores, é uma das funções de Serena.
Como leitora, ela prefere os finais felizes, enquanto Tom tem um apego quase mórbido por finais melancólicos e desalentadores. Serena diz, a certa altura, que deve ser estabelecida uma relação de confiança do leitor para com o autor. Ela desaprova truques literários, prefere a solidez desse pacto.
Há uma curiosidade quanto ao sobrenome do escritor Tom Haley, que nos faz lembrar o cometa, aquele que passa a cada 72 anos. Será que Tom apenas passaria por sua vida como um cometa? E se esse cometa trouxer bons sentimentos e mudanças, como diz o bispo, pai de Serena, em um discurso: “Pois o amor não se põe sozinho, nem pode, mas rasga os céus como um cometa em chamas, trazendo consigo outros bens reluzentes – perdão, bondade, tolerância, equidade, camaradagem e amizade, todos presos ao amor que está no coração da mensagem de Jesus”
Serena considerava o romance de Tom uma distopia (controle de tudo com regras rígidas para segregar as minorias) anticapitalista, o que a deixou apreensiva quanto ao julgamento que o Serviço Secreto faria a respeito. São considerados como distopias os romances: 1984, de George Orwell, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley e Laranja Mecânica, de Anthony Burgess.
(Para escrever este texto li a resenha de Johny Gonçalves, em www.advivo.com.br › Blogs).

Contexto histórico

Uma desregulamentação do sistema monetário internacional e dois choques petrolíferos (em 1973 e 1979) estiveram na origem de uma crise econômica que, no início dos anos 70, travou o ritmo de crescimento nos países industrializados. O dólar americano foi desvalorizado e perdeu a sua paridade relativamente ao ouro. Os países árabes membros da OPEP aumentaram quatro vezes o preço do petróleo no espaço de três meses, quando estavam em guerra com Israel, e nacionalizaram as instalações ocidentais.
Deu-se também um agravamento da inflação, e a Europa entra numa fase denominada de estagnação, uma combinação de uma recessão com o aumento da inflação. O problema do desemprego volta a afligir as economias européias. Para agravar a crise, os trabalhadores imigrados, em luta pelos seus postos de trabalho, são vítimas da marginalização social e, em alguns países são alvo de movimentos xenófobos, num período em que ressurgem as ideologias fascistas.
É do consenso geral que dois fatores concorrem para a explicação desta crise nesta décaca. Por um lado, era evidente a desvalorização do dólar americano, para além da perda da sua paridade em relação ao ouro decretada pelo presidente Nixon em 1971; por outro, as crises petrolíferas de 1973 e 1979 conduziram a um aumento muito acentuado do preço do petróleo e este, consequentemente, dos bens de consumo.
O neoliberalismo traz de volta à cena o conjunto de teses econômicas conhecido como liberalismo. Este  termo define as ideias, teorias ou doutrinas que dão primazia à liberdade individual e rejeitam qualquer tipo de coerção do grupo ou do Estado sobre os indivíduos. No plano econômico, o liberalismo teve notável influência no desenvolvimento do capitalismo do século XIX. Repudiava-se qualquer intervenção do Estado na área econômica.
Surgiu em alguns países da Europa e nos Estados Unidos como uma reação contrária ao Estado do Bem-Estar, pois queriam a instalação de um capitalismo mais duro e livre de regras, consideravam a desigualdade social um valor positivo e criticavam o igualitarismo promovido pelo Estado do Bem-Estar, que entrou em crise em 1973. Na Europa e nos EUA iniciou-se uma longa recessão que combinou baixas taxas de crescimento econômico com altas taxas de inflação, o terreno propício para o avanço das ideias neoliberais.
Os partidários do neoliberalismo diziam que a crise dos anos 70 era resultado da pressão excessiva dos sindicatos por maiores salários e por mais gastos sociais. Pensavam que, para vencer a crise, a  meta dos governos devia ser a estabilidade monetária. Para isso, sugeriam uma disciplina orçamentária, com contenção dos gastos para o bem-estar social; e a restauração da taxa "natural" de desemprego, que iria quebrar o poder dos sindicatos. Também aconselhavam os governos a adotarem reformas fiscais para incentivo dos agentes econômicos. Na prática, essas reformas consistiam em reduzir os impostos que recaíam sobre os mais ricos.
Para o Estado do Bem-Estar, também chamado de welfare state, o Estado intervém na área econômica, através de subsídios a diversos setores. Na época, isso fazia parte de um projeto de construção nacional que, no plano político, correspondia à democracia liberal. O Estado também era responsável pela promoção da justiça social e do igualitarismo. (Mônica Franch, Carla Batista e Silvia Camurça).

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A história da Aia


A História da Aia, ou O Conto da Aia, como trazem algumas traduções, de Margaret Atwood, é livro que inquieta, encanta, surpreende ou mesmo assombra. O tema é a humanidade em perigo, em que um regime fundamentalista e patriarcal toma o poder.

Na Republica de Gilead, outrora EUA, num futuro próximo, literatura, arte, direitos, escolhas, pensamentos, quase tudo se tornou proibido. Um muro exibe os corpos dos pecadores, condenados que servem de aviso a todos. E nessa sociedade, as mulheres estão divididas em castas e categorias bem definidas: aias, esposas, martas, tias, antimulheres. E no absurdo dos sistemas totalitários, de controle e nos jogos de poder, o lícito ou proibido é extremamente relativo.

Aias são mulheres férteis cuja única função é procriar. E por serem valiosas, o domínio tenta se estender não somente ao corpo, mas à mente dessas mulheres. Mas se falharem, podem ser enviadas às colônias para recolher lixo radioativo, ou, dependendo da transgressão, enforcadas e penduradas no muro. São também guerreiras, lutando para simplesmente, sobreviver.

Todas as mulheres, de certa forma, são humilhadas. As esposas estão presentes no momento em que seus maridos praticam o ato sexual com as aias. Elas deitam com as pernas abertas e as aias deitam com a cabeça em suas barrigas, e dessa forma são possuídas pelos Comandantes.

O livro deixa algumas lacunas, que podem ser um recurso narrativo: a história nos é apresentada de um olhar. E ao olhar dessa narradora, nem tudo está claro, nem tudo é explicado. (resumi o texto de Tânia Souza, do blog alitfan – literatura fantástica)

Talvez nada disto tenha a ver com controle, talvez não tenha nada a ver com quem tem o direto de ser dono de quem, ou com quem pode fazer o quê com quem, impunemente – até matar. Talvez não tenha a ver com quem pode se sentar e quem deve se ajoelhar, ficar de pé ou deitar-se de pernas abertas. Talvez tenha a ver com quem pode fazer o quê, com quem, e ser perdoado por isto. Não venha me dizer que é tudo a mesma coisa.

Não queria estar contando esta história. (...) Não preciso contá-la. Não preciso contar nada, nem para mim nem para ninguém. Podia ficar aqui, sossegada. Podia me recolher. É possível se penetrar tão fundo, tão fundo, que ninguém mais nos tira de dentro de nós

Quero ser abraçada e chamada pelo meu nome. Quero ser valorizada de uma forma que não sou; quero ser mais do que simplesmente valiosa. Repito meu antigo nome e me lembro de tudo que um dia eu podia fazer, de como os outros me viam. Quero roubar alguma coisa.

Quando eu sair daqui, e se eu conseguir registrar isto de alguma forma, mesmo que seja na forma de uma voz falando a outra, também será uma reconstituição, mais ainda do que agora. É impossível contar algo exatamente do jeito que foi, pois o que se conta nunca poderá ser absolutamente exato, sempre é preciso deixar algo de lado: há partes, ângulos, variáveis, matizes demais; gestos demais, podendo significar isto ou aquilo; formas demais, que nunca poderão ser descritas em sua totalidade; sabores e aromas demais, no ar ou na língua; meios-tons em excesso.

Isso eu inventei. Não foi assim que aconteceu. O que aconteceu foi o seguinte: (...) Também não foi assim como aconteceu. Não tenho muita certeza, agora, de como aconteceu; não exatamente. Só posso confiar numa reconstrução.


A visita cruel do tempo


A Visita Cruel do Tempo, de Jennifer Egan, é uma narrativa amarga e hilária. A autora nos arrasta por guetos, o rock’n’roll está, de uma forma ou outra, ligado a cada um dos personagens. Lou e Bennie são produtores, Sasha e Lulu são assistentes, Dolly é relações públicas, Scotty é músico e por aí vai. Não só as vidas dos personagens deslizam diante dos olhos do leitor, mas também cinquenta anos de toda uma cultura pop, que vai envelhecendo.

Egan escreve em primeira, terceira e até segunda pessoa, conforme o caso, para mudar o foco da ação e não deixar a história cair na monotonia. Há ainda um capítulo todo em PowerPoint, exibindo por meio de slides intencionalmente toscos a visão de uma personagem jovem. Os personagens são apresentados em um determinado capítulo e são recuperados em outros capítulos, quando se está contando a vida de um deles.

O que Jennifer Egan oferece a seus leitores é uma viagem através do tempo e dos sonhos. O tempo é cruel, como dito no livro, e abate os personagens um a um de forma inexorável, transformando e arrastando a todos em uma maré de eventos. Os sonhos são mais tangíveis, cada um tem o seu e pretende atingi-lo com prazos e metas bem definidos, e isso leva de volta ao tempo e de volta aos sonhos e mais uma vez em torno de acontecimentos incontroláveis, em idas e vindas com um fim.
(site Café de ontem)

Veia bailarina


Veia bailarina, de Ignácio de Loyola Brandão, conta com detalhes o descobrimento da sua doença até a chegada ao centro cirúrgico. Fala sobre “a dor, o medo, das nossas perdas de cada dia, as do varejo e aquelas acumuladas ao longo da vida, no atacado”.

Loyola chegou consciente ao centro cirúrgico, de acordo com os padrões para esse tipo de cirurgia. Após acordar certa manhã com tonteiras, até o diagnóstico final de aneurisma cerebral, com indicação cirúrgica e decisão de submeter-se a abertura do crânio, percorreu um longo caminho de sofrimentos.

De olhos fechados, esforçando-se para ouvir e não esquecer nada do que se passava no centro cirúrgico, percebeu quando uma enfermeira colocou o garrote em seu braço para a punção da veia necessária durante a cirurgia e para o pós-operatório imediato.

A partir desse momento essa veia iria se transformar na sua segurança. A experiente enfermeira, após algumas tentativas frustradas, pede auxílio a uma colega. Ao assumir o comando da ‘operação pega a veia’, fala em voz bem baixinha, mas percebida por Loyola: “- Ah! Está é a famosa veia bailarina!”. O escritor se encanta com a expressão desconhecida por ele. Até em um hospital era possível encontrar poesia. (Gabriel Neves)

Trechos retirados do blog do Torniquato:
“É fácil avaliar situações, depois que passaram. Tudo se agitava velozmente, não havia tempo para raciocínios claros, cabeça fria. Nada concreto. A diferença entre nós, os comuns, e os grandes homens está na capacidade de analisar friamente o real, encarar a situação, qualquer que seja, individual ou coletiva, e partir para a ação, remexer os problemas, decidir logo. Demoramos, rejeitamos, fugimos.
O que existe do outro lado? Mas nenhuma pessoa, entidade, livro, estudo me convence de que este espaço em que vivo não seja de fato o outro lado. Em Berlim Ocidental, referindo-se à Berlim Oriental, as pessoas diziam: O outro lado. Mas em Berlim Oriental, referiam-se à Berlim Ocidental também como o outro lado. Qual é o lado de cá e o de lá? Súbito, me veio intensa curiosidade. A de atravessar a fronteira e penetrar em outra dimensão desconhecida, sobre a qual nada sabemos.
Percebo que estou sorrindo. O implicante retornou. Se posso reclamar, se tudo isto me incomoda, perturba, é porque estou vivo. Melhor assim: estar puto com essas coisas todas porque está vivo! Percebo o pobre escritor que sou. Não consigo, de nenhum modo, colocar no papel a sensação que é viver. Talvez eu deva simplesmente… viver!”

A elegância do ourico


A elegância do ouriço, de Muriel Barbery, é um romance filosófico. Com humor, a narradora aborda questões do tempo, beleza, justiça, ética e amor. É preciso ler com paciência, pois há muito para refletir. Vale a pena!

É a história de Renée, de 54 anos, concierge (zeladora) de um prédio durante 27 anos. Ela é viúva, baixinha, feia e gordinha, conforme se descreve. O que faz a diferença é que ela, apesar da profissão simples e sem prestígio, é uma mulher culta, gosta de arte, literatura e filosofia. Enquanto a maioria dos moradores nem percebe a presença da zeladora, outros tornam-se seus amigos no decorrer do romance: uma adolescente pensativa, um senhor japonês, misterioso e sorridente, e uma faxineira portuguesa.