sexta-feira, 20 de junho de 2014

O herói discreto, Mario Vargas Llosa

Neste romance, Vargas Llosa usa a técnica narrativa de escrever histórias paralelas que se encontram em determinado momento, assim como em O paraíso é na outra esquina e Tia Júlia e o escrevinhador. Neste caso, o elo entre as histórias acontece já no final, mas são as referências contidas nos enredos, ou seja, as relações entre pais e filhos, sentimentos de amor e ódio, vinganças, injustiças, respeito, orgulho, que unem essas histórias do princípio ao fim.

Dois filhos de um pai muito rico não gostam de trabalhar e são sustentados por ele, que esperam com ansiedade sua morte para se apossarem dos bens, uma vez que sua mãe havia falecido há pouco tempo. Ismael, o pai, ouve uma conversa dos filhos a respeito, e decide se vingar deles, casando-se com uma empregada da casa e deixando tudo para ela.

Felicito também tem dois filhos que se sentem incomodados com a posição que ocupam na empresa de transporte do pai que, com a intenção de educá-los, coloca-os para exercer várias funções na empresa que um dia será deles. Casado, sem amor, com Gertrudes, grávida e com a insistência da mãe que afirmava ser seu o filho. O nascimento de Miguel deixa o pai cheio de dúvidas, pois o menino não se parece em nada com ele. Embora sua mulher dedique todo o seu tempo à vida doméstica e à igreja, provando-se uma pessoa de bem, ele a trata com certa indiferença.

Miguel, que se sente mais injustiçado que seu irmão Tiburcio, arma um plano para extorquir dinheiro do pai. Para isso, conta a ajuda da amante do pai, Mabel, que também mantém um relacionamento com ele. Seu plano constava do envio de cartas pedindo dinheiro em troca de proteção, como fazem grupos clandestinos. No entanto, Felicito não aceita pagar, afirmando ser um homem trabalhador e fiel a seus princípios, podendo ser considerado honesto. Ele prometera a seu pai, que tanto sofrera para criá-lo, que ninguém passaria sobre ele. Esse orgulho é levado a sério, não abrindo mão dele por nada nesse mundo. Em nome desse orgulho, Felicito se vinga daquele que não é seu filho.

Rigoberto, amigo de Ismael, tem um filho adolescente. O menino é muito inteligente,  tem poucos amigos e cria um personagem imaginário com quem conversa sobre filosofia, ética e religião. Seu pai, a princípio, acha que o filho está mentindo, mas os médicos dizem que não, sem apresentarem um diagnóstico para tal visão. Talvez esse homem seja do jeito que Fonchito gostaria que seu pai fosse, alguém com quem pudesse conversar sobre variados temas, que lhe dedicasse mais tempo. Rigoberto sempre trabalhara muito e, quando chegava em casa, gostava de ficar no escritório lendo sobre arte e ouvindo suas músicas preferidas, além do mais era agnóstico e intransigente a respeito de vários assuntos.

A aranha que aparece nas cartas enviadas a Felicito pode ser uma referência que Miguel encontrou para mostrar seu sentimento ao pai, ou seja, ele pode considerar seu pai um inseto e vai prendê-lo em sua teia. Essa questão também pode ser remetida aos filhos de Ismael, que fazem de tudo para que o pai seja interditado depois do casamento e, assim, possam tomar posse da herança.

O herói discreto pode ser Fonchito, uma vez que conquistou a confiança do pai. Além dos muitos heróis, homens comuns, que lutam pela sobrevivência, e podem ser considerados verdadeiros heróis.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

FIM - Fernanda Torres


O livro é muito interessante, escrito de forma brilhante. A autora coloca sentimentos masculinos de forma sábia. Ela os trata como se estivesse na alma masculina. São cinco amigos, diferentes em personalidades, que se conhecem ainda jovens e mantêm a amizade por longos anos. Eles se casam, se separam e têm suas amantes. A partir da narrativa do dia da morte de cada um deles e das histórias de suas parceiras, o romance vai sendo construído, abrindo espaço para reflexões sobre a vida, o amor, a liberdade, a velhice e o tempo.

As mulheres têm um papel importante na vida desses homens, e suas atitudes e pensamentos são feitos pelo narrador, talvez para ressaltar que naquela época a mulher ainda não tinha o direito de se expressar. Pela idade dos maridos, calcula-se que tenham nascido nas décadas de 30 ou 40, jovens, portanto, quando se iniciaram as mudanças feministas.

As narrativas dos homens são sempre feitas em primeira pessoa. O livro começa pela morte mais recente (Álvaro), de 2014. A exposição das mortes segue uma ordem decrescente, exceto pela segunda (Sílvio), de 2009, talvez por causa de uma desavença entre este personagem e Álvaro.  Há um depoimento, em terceira pessoa, sobre Sílvio e seus amigos, que muito contribui para que o leitor conheça melhor os personagens. Ribeiro morre em 2013, e é colocada, em seguida, a história de Ruth, ex-mulher de Ciro, por quem Ribeiro era apaixonado. Da triste história de Ruth, segue a de sua amiga Célia, que vem a falecer antes do marido, Neto, que se mata em 1992, aos 61 anos de idade. Em 1990 acontece a primeira morte, de Ciro. A ex-mulher de Álvaro, Irene, ocupa um capítulo de poucas páginas e a de Sílvio, Norma, é pouco mencionada. A única morte masculina contada pelo narrador é a do padre Graça, presente em todos os enterros.