terça-feira, 13 de dezembro de 2016

DOIS IRMÃOS, Milton Hatoum

 A casa foi vendida com todas as lembranças/ todos os móveis todos os pesadelos/ todos os pecados cometidos ou em vias de cometer/ a casa foi vendida com o seu bater de portas/ com seu vento encanado sua vista do mundo/ seus imponderáveis. (Carlos Drummond de Andrade)

Amor e ódio, carência e excesso, verdade e hipocrisia, desigualdade social, ironia, preconceito, prostituição infantil e trabalho escravo são alguns dos temas abordados no livro Dois irmãos, de Milton Hatoum. Por meio da história de uma família de imigrantes libaneses, pode-se conhecer a cidade de Manaus, recheada de descrições bem detalhadas de seus espaços, sua história, seus mitos, seus rios e seus peixes, assim como viviam os vários povos na cidade. A parte boêmia, às margens do rio Negro, é bastante explorada, uma vez que nela conviveram muitos imigrantes.
Questionam-se as características da personalidade das pessoas sob o viés do amor, se a forma como esse amor é oferecido ao indivíduo condiz com o que ele espera de determinadas pessoas. Há que se pensar, ainda, sobre a influência do meio no caráter dos indivíduos. Ele influi, mas não é fator determinante. O exemplo disso é Nael, criado com muito amor pela mãe, mas lhe é omitido quem é seu pai. Nael toma como exemplo as melhores características de um do suposto pai, como estudar e conseguir melhorar sua vida. Quanto ao outro, ele observa os defeitos e não se espelha neles.
Paralelamente às duas personalidades diferentes dos irmãos, apresenta-se parte da história do país, começando com as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes, dificuldades diversas advindas da segunda guerra mundial, prosperidade para alguns no período da borracha e o período da ditadura militar.
Os imigrantes são separados de suas famílias e muitos vencem os obstáculos e se estabelecem na cidade, não como grandes empreendedores, mas como comerciantes que trabalham para sobreviver. A guerra promove uma série de adversidades, como falta de energia elétrica e alimentos. A extração da borracha traz muitas melhorias para a cidade, mas provoca muitos equívocos para uma população que acaba por se tornar escrava dos grandes coronéis. Vale ressaltar que os maiores prejudicados com essas mudanças foram os indígenas, impotentes frente ao progresso, submetidos a trabalhos escravos ou de menos valia. A ditadura era uma madrasta má, que determinava o presente e o futuro dos seus filhos, mais precisamente daqueles que lutavam por justiça.

 Amor e ódio

A história se desenrola em Manaus por cerca de 50 anos. Começa com a paixão à primeira vista de Halim por Zana, por volta de 1914, e termina depois de 1964. A restauração do passado representa um elemento fundamental na obra, narrada pelo personagem, Nael, filho de Domingas, uma jovem orfã índia, entregue pelo orfanato de freiras ao casal libanês, Zana e Halim, onde trabalha até a morte. A narrativa é extraída por meio de observações de Nael e das confidências de Halim. Muita coisa pode não ter sido dita, talvez por esquecimento, “mas a memória inventa, mesmo quando quer ser fiel ao passado”. Mesmo sendo narrado em primeira pessoa, é um romance polifônico, em vista das muitas vozes que alimentam a mente e o coração do narrador.
Halim é um eterno apaixonado por sua mulher, Zana. De certa forma seu amor era egoísta, ele a queria somente para ele, nem sonhava em ter filhos, para não ter que dividir o amor da mulher. Já Zana decide formar uma família. Nascem os primeiros filhos, gêmeos, Omar e Yakub. Pouco tempo após a chegada dos gêmeos, Zana dá à luz uma menina, Rânia. Sua criação não é bem explicada. Ela vive para a família, com melhor contato com o pai, uma grande cumplicidade com os irmãos.
O que Halim temia acontece, pois desde o nascimento dos filhos, Zana se dedica plenamente ao filho caçula, Omar, uma vez que ele necessitava de maiores cuidados, e vem a se tornar um homem irresponsável, provavelmente pelo excesso de zelo da mãe, que apoiava sua vida boêmia e conseguia fazer com que ele não adquirisse uma vida livre, em que pudesse construir sua própria família. Omar tem um temperamento aventureiro e não aceita perder para seu irmão, Yakub. Desde o nascimento este fica entregue a Domingas que, além dos cuidados maternos, aos poucos se ocupa de sua educação, suas distrações e passeios nos fins de semana.
Desde crianças surgem diferenças entre eles. Enquanto Omar é destemido, Yakub é mais reservado e sensível. A falta de demonstração de amor da mãe deixa Yakub magoado, e o ciúme de Halim por Omar afasta o filho de seu convívio diário.
Após Yakub ser agredido por Omar por causa de uma menina, deixando-lhe uma cicatriz no rosto, Halim aproveita esse episódio para enviar os filhos ao Líbano. Na verdade, ele queria muito resgatar a cumplicidade que existia entre ele e a mulher antes do nascimento dos filhos. No entanto, somente Yakub parte para o Líbano, pois Zana convence o marido que não seria prudente afastar Omar, alegando que ele poderia ficar doente. O arrependimento dessa atitude atormentará Halim na velhice. Em desabafo com Nael, diz que sua maior falha foi ter mandado seu filho sozinho para tão longe. Yakub permanece por cinco anos no Líbano, dos 13 aos 18 anos. Seu retorno coincide com a volta dos pracinhas da Itália, com o fim da segunda guerra.
A cicatriz marca não somente o rosto de Yakub, mas também a sua alma, era “uma dor e algum sentimento que ele não revelava e talvez não reconhecesse”. Um dos seus grandes rancores estava no fato de ter sido enviado, sozinho, ao sul do Líbano, onde sofrera. Percebia-se que ele guardava um segredo, nunca revelado. Havia também ódio. Por trás da máscara de sucesso como engenheiro em São Paulo, ele se preparava para dar o bote “minhoca que se quer serpente”. “Fui obrigado a me separar de todos, de tudo... não queria”. “Não morei no Líbano. Mandaram-me para uma aldeia no sul, e o tempo que passei lá, esqueci”. Pela mágoa alimentada por causa da separação forçada na adolescência, ele não aceita qualquer ajuda financeira dos pais e se vira sozinho na grande metrópole. Casa-se com Lívia, a menina da infância e parece ser feliz com suas conquistas.
O excesso de zelo de Zana por Omar transforma-o em um homem irresponsável, sempre buscando vantagens de amor e carinho por parte da mãe e de Domingas. Ele sente a falta do pai, mas este não concorda com seu estilo de vida. Já a falta de dedicação de Zana a Yakub, faz dele um homem perseverante, determinado a vencer na vida, porém longe da família que um dia o abandonou. Até o fim de seus dias, Zana revela diariamente o desejo de que seus filhos façam as pazes.
A narrativa construída por Nael, filho de Domingas com um dos gêmeos, e nunca reconhecido como membro da família, embora todos soubessem, parte de suas observações, de casos dispersos do passado, a fim de encontrar a si mesmo. É Halim que o toma como confidente, contando toda a sua vida e, a partir das condições nas quais vive sua mãe, ele vai preenchendo as lacunas deixadas pelo avô. O narrador faz alguns jogos com as palavras. Dizia que sua mãe queria ser livre, mas que eram “palavras mortas. Ninguém se liberta só com palavras”. Nael dizia que sonhar não bastava, e sua mãe o olhava “cheia de palavras guardadas, ansiosa por falar”.
Embora até o final do relato não se diga quem é o pai de Nael, sua mãe, já bastante doente, diz ao filho que gostava muito de Yakub, e declarou “com o Omar eu não queria... uma noite ele entrou no meu quarto, fazendo aquela algazarra, bêbado, abrutalhado... ele me agarrou com força de homem. Nunca me pediu perdão”. Mesmo assim, ela ajudava Zana com muito carinho quando recebiam Omar bêbado.
Pode-se inferir que Domingas não poderia se relacionar com Yakub de outra forma que não fosse amor de mãe para filho, visto que fora ela que cuidara dele desde bebê, mesmo sendo ainda uma adolescente, estabelecendo-se assim um vínculo de carinho e respeito. Soma-se ao fato de Yakub ter ido para o Líbano aos 13 anos. Mas Nael percebia que sua mãe, muitas vezes, desejava Omar, mesmo depois da declaração feita acima. Yakub esperou sua mãe morrer para se vingar do irmão, por meio de um negócio de engenharia em que Omar saiu perdendo, e foi preso, posteriormente, sob a acusação de ser subversivo, condenado a sete meses de prisão.
Nael recebia cartas de Yakub, mas também havia se decepcionado com ele. Em certo momento ele pensa “sou e não sou filho de Yakub, e talvez ele tenha compartilhado comigo essa dúvida”. “O que Halim havia desejado com tanto ardor, os dois irmãos realizaram: nenhum teve filhos”.
Antes da morte de Yakub, ele já sentira vontade de se distanciar dos dois irmãos, desejo mais forte que muitas lembranças. Tanto as atitudes de Omar contra tudo e todos, quanto os projetos de Yakub, levados a cabo com a sordidez de sua ambição calculada, causaram danos em todos da família. “Meus sentimentos de perda pertencem aos mortos (Halim e minha mãe)”. “Alguns dos nossos desejos só se cumprem no outro, os pesadelos pertencem a nós mesmos”.
Quando Omar se liberta, a casa não existe mais. Sua mãe já havia morrido e Rânia se mudara. Havia sobrado apenas o quartinho dos fundos, herança deixada por Yakub a Nael. Omar chega, aparentando mais velho do que realmente era, olha para Nael com um olhar à deriva e vai embora. Fecha-se um círculo, o fim de uma época e de uma família.







terça-feira, 15 de novembro de 2016

O jardim das Oliveiras, Nélida Piñon

A linguagem, meio de comunicação e interação, é fruto da liberdade. O poder das palavras, que possuem vida, mas podem, muitas vezes, ser a voz, arrancada à força, por um poder arbitrário.

O narrador-personagem redige o texto, em forma de diário, pedindo socorro a alguém de nome Zé, que é ele mesmo no passado, como se pode inferir quando se refere ao Zé como um homem “rijo como um cabo de metal”. Ele expõe a memória atormentada de um homem mergulhado no medo, que se sente culpado e covarde por não ter suportado as torturas, dando a seus algozes as palavras que eles queriam: onde estava Antônio, um militante de esquerda como ele mesmo.

O conto começa com a chegada de representantes do Governo para levar o narrador, nove anos depois, a dar um novo depoimento. Aqui se pode perceber uma intertextualidade com a Bíblia no que se refere à contagem das horas naquela época. Na terceira hora Jesus foi crucificado e morreu na sexta hora (meio-dia), desse momento até a nona hora houve trevas sobre a terra. O narrador vivia nas trevas se considerarmos seus tormentos.

Ele não faz perguntas e segue tentando adivinhar o que irá lhe acontecer. O medo e a lembrança dos momentos de tortura vividos no passado vão passando pela sua cabeça, assim como seu sofrimento e seu sentimento de culpa. Muitas reflexões sobre o amor, a amizade, o perdão, o poder, e principalmente, o poder das palavras, despertam em seu coração.

Durante o interrogatório, ele se assusta quando eles querem saber onde está Antônio, pois todos sabiam que ele havia sido torturado, morto e enterrado clandestinamente às margens de um rio, para que seu corpo nunca fosse encontrado. Mas as autoridades da época divulgaram que ele havia fugido para Paris. Nesse contexto, percebe-se que os inquisidores utilizam a ironia retórica (dupla possibilidade), tendo em vista que esse recurso se liga à dominação do outro, por meio do poder, de acordo com Duarte (2006). Segundo, ainda, a autora, “a ironia não é apenas uma questão de vocabulário, mas implica também atitudes ou pensamentos, em que o receptor possa perceber que as palavras não têm um sentido fixo e único, mas podem variar conforme o contexto”. A ironia mobiliza diferentes vozes no texto, as quais instauram a polifonia. Antônio poderia estar vivendo como clandestino em algum lugar do país, ou ele teria sido realmente morto, é uma reflexão dirigida ao leitor para que reflita, considerando-se a dúvida como ironia humoresque, uma vez que o conto reflete um momento político complexo e apresenta um narrador também complexo: marcas de indefinição e ambiguidade que caracterizam esse tipo de ironia.

O tempo apresenta uma perspectiva subjetiva, não linear, fragmentado, planos difusos, configurado pelas sensações e impressões do sujeito. Há rupturas na sucessão cronológica e a sensação de agonia e silêncio. Essa falta de delimitação do tempo é a consequência das muitas incertezas que atuam no leitor cujas inferências podem ser feitas pelas pistas deixadas pelo narrador.

O ambiente narrativo é tenso e caótico, com o objetivo de expressar a tensão do período da ditadura militar, juntamente com as sombras em que se envolve o narrador e os brasileiros contrários ao regime. Esse ambiente reflete, ainda, a noite de trevas e dor pela qual Jesus passou no Horto das Oliveiras.

O ambiente de sombras do regime militar apresenta uma referência ao Monte das Oliveiras, também conhecido como Jardim de Getsêmani, onde Jesus se encontrava angustiado, em vista da sua crucificação que aconteceria em breve. Segundo o evangelho de Marcos, “o suor de Jesus se tornou em grandes gotas de sangue, que corriam até o chão”. Esse episódio faz um paralelo com a chegada do narrador, pela segunda vez, aos porões dos órgãos da repressão, em que ele faz, em silêncio, uma súplica “[...] o medo grudado na pela ia-me asfixiando, os poros logo entupiam-se de ânsia e vontade de vomitar. Eu implorava aos intestinos, ao ventre e à alma que não me humilhassem uma vez mais”.

Além da referência ao Monte das Oliveiras, local de suplício e morte de Jesus, há uma alusão ao fato de Antônio ter ressuscitado, quando os inquisidores perguntam por ele, sabendo que estava morto. Há outras referências bíblicas como o sacrifício de cordeiros para o pagamento de pecados e a celebração da páscoa judaica, a libertação da escravidão na qual viviam os hebreus sob o poder do Faraó. Esses fatos históricos são vistos pelo narrador como algo presente em sua vida.

A palavra
A palavra tem muitos significados, entre eles também o bíblico. Há a parábola do semeador que semeia a palavra de Deus, usando grãos como metáfora, e que as palavras, assim como as sementes, germinam e frutificam naqueles que a acolhem e em solo fértil.
Ao entrar no jogo dos militares, o narrador diz que o jogo lhe custava a vida e a honra, mas que esse era o preço para ganhá-las de volta. Pensava ser corajoso o bastante para que eles não lhe arrancassem, mais uma vez, as palavras que o matariam por dentro e abririam a porta para esta mesma vida.
“Eu sei que a palavra é a vida”. “Eu sei que a vida prova-se com a palavra, mas quando nos é ela extraída à força e ainda assim a vida nos fica, não é a vida o único tesouro com que se recomeça a viver?”
“Apesar de tudo, trago comigo algumas perguntas. Nem todas palavras sufoquei.”
O narrador valoriza a palavra e é por meio dela que tenta se justificar, assim como quer justificar seus medos, suas culpas e seu modo de vida aos seus leitores, interlocutores na construção textual.
“Do mesmo modo que todo texto de minha lavra pertence ao vizinho que também escreve em meu nome a história da minha miséria”.

Outras intertextualidades
Antônio das Mortes é um personagem criado para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964, do diretor baiano Glauber Rocha. Ele se autodenomina matador de cangaceiros. No filme ele persegue e mata Corisco, um dos últimos comparsas de Lampião. O narrador de O jardim das Oliveiras se assusta quando lhe perguntam por Antônio e, por um breve momento, lembra-se do Antônio do filme de Glauber Rocha, uma vez que foi feito novo filme, em 1969, com um personagem com o mesmo nome (ressuscita-se o personagem). Glauber Rocha foi exilado no período da ditadura, e insere no seu trabalho os mandos e desmandos de um coronel, comparando-os aos dos militares da ditadura que agiam da mesma forma. Com o AI-5, muitas pessoas “sumiam” por negar a ordem vigente.
Machado de Assis em Memórias Póstumas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. “Não quero descendência, mas um esperma seco e apático”, diz o narrador.
O poema “José”, de Drummond, nos leva a reforçar que Zé é o próprio narrador anônimo, pois o poema retrata, em muitos versos, situações semelhantes vividas pelo narrador.

O poema narra a solidão de um homem angustiado pela vida. A alegria e a felicidade já existiram, mas acabou e agora só existe a escuridão, o frio, o abandono. As repetições reforçam a situação do homem que não tem mais um ambiente para viver. José é um heterônimo do autor. É  capaz de amar, de ser irônico, mas por ironia é desconhecido, vive no anonimato. Seu anonimato e solidão não são opcionais. Não foi José quem acabou com a festa, apagou a luz, ele não escolheu o anonimato, foi o povo que sumiu. Há um vazio, tudo é rotina e monotonia. Ele é marcado por sentimentos opostos, conflitos que não conduzem à solução.  Tudo lhe parece inútil e desprovido de significado.  Sente-se encurralado, não pode nem morrer. José é  duro na queda. Feito de ferro. Acuado, resta-lhe a solidão e o abandono.

Outras considerações:

De acordo com a psicanalista, jornalista, escritora e crítica literária Maria Rita Kehl (2010, p. 130), um corpo torturado é um corpo roubado ao seu próprio controle; corpo dissociado de um sujeito, transformado em objeto nas mãos poderosas do outro – seja o Estado ou o criminoso comum. Ela explica que, sob tortura, a fala que representa o sujeito deixa de lhe pertencer, uma vez que o torturador pode arrancar de sua vítima a palavra que ele quer ouvir, e não a que o sujeito teria a dizer. Por isso o protagonista afirma: “Eu era o que eles me designassem. Eu era as palavras arrancadas à força, era a covardia que eles souberam despertar em mim, e antes me fora desconhecida”.

É importante levar em conta que muitos textos literários procuram retratar a realidade. E, mesmo quando não o fazem de forma explícita, traços dessa realidade ainda podem ser percebidos, conforme explica o professor alemão Wolfgang Iser (1996, p. 14): “[...] há no texto ficcional muita realidade que não só deve ser identificável como realidade social, mas que também pode ser de ordem sentimental e emocional”. E é nesse sentido, ao fazer apelo às emoções e à empatia, que a literatura percorre regiões da experiência que os discursos filosófico, sociológico e psicológico muitas vezes negligenciam. Como defende o professor e pesquisador francês Antoine Compagnon (2009, p. 71), “a literatura não é a única, mas é mais atenta que a imagem e mais eficaz que o documento”.


Observação: A análise desse conto foi feita em parceira com Rafaela Angeli, Moacir Júnior e André Orandi, em abril/2016. Entretanto, fiz algumas alterações no trabalho original, privilegiando a palavra.


REFERÊNCIAS

DUARTE, Lélia Parreira. Ironia e humor na Literatura. Belo Horizonte: Editora PUC Minas; São Paulo: Alameda, 2006.

COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Tradução de Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: UFMG, 2009
ISER, Wolfgang. Atos de fingir. In O fictício e o imaginário: perspectivas de uma antropologia literária. Tradução de Johannes Kretschmer. Rio de Janeiro: UERJ, 1996.

KEHL, Maria Rita. Tortura e sintoma social. In TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.

Joyce Glenda Barros Amorim - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários


O calor das coisas

O livro O calor das coisas, de Nélida Piñon, contém treze contos. Em todos há referência e reverência às palavras, em seus sentidos contextualizados, seus efeitos transformadores e as emoções que provocam. O calor, provocado pelo poder do fogo, transforma coisas físicas e espirituais. De acordo com a simbologia, o fogo simboliza renascimento, renovação, purificação, regeneração. Em rituais de morte e renascimento, ele é associado ao seu princípio antagônico: a água. A purificação pelo fogo é complementar à feita por meio da água, que é regeneradora. Mas o fogo é diferente da água porque simboliza, ainda, a purificação através da compreensão até a sua forma mais espiritual, pela luz e pela verdade.
No conto que dá nome ao livro são várias as nuances pelas quais a palavra passa. Todas as palavras foram selecionadas para expressar o sentimento de calor, que tanto pode expressar a emoção do aconchego, como provocar dor (sufocar). O narrador usa metáforas com elementos que lembram o fogo para expressar como era Oscar, sempre envolvido com as palavras dos outros, que o feriam. Quando ele descobre o poder transformador da palavra, ele desabafa todas as suas angústias. Assim, por meio de seu discurso, ele resgata sua identidade e expõe seu poder diante do mundo. No entanto, devido ao seu passado, ele toma esse poder não só como sua salvação, mas também como dominação.
O menino ganha o apelido de pastel porque é gordo e gosta de comer muito essa iguaria, preparada com gordura quente. Não satisfeito com sua gordura e desejando ser aceito pela comunidade em que vive, ele se submete a rigorosos regimes, inclusive passando dias bebendo água, princípio antagônico ao fogo no sentido de renascimento. Mas ele não consegue emagrecer, apesar do sacrifício. Assim, ele aceita a sua sina, mas esquece o seu próprio nome, perde a sua identidade para dar lugar à identidade que lhe foi imposta. Sem identidade como Oscar, ele teme e espera que seus amigos devorem sua carne assim como devoraram o seu ser. Muitas vezes revoltava-se contra o destino “que lhe impusera um corpo em flagrante contraste com a alma delicada e magra”. Sente-se inadequado em todas as situações, como se sua gordura mudasse de lugar todos os dias, dificultando o disfarce pelas roupas.
Sua mãe contribuía com o crescente aumento de seu peso, pois era ela que cozinhava os alimentos. Bolos, feijoadas e macarrão, em grandes quantidades, preparados com os temperos prediletos dela. Era dessa forma que ela lhe demonstrava amor e proteção.
“A expressão deste afeto, que seu disforme corpo não podia inspirar, arrastava Oscar para o quarto, amargurado pelo desgaste lento das palavras maternas, que só pretendiam atraí-lo para dentro da frigideira abrasada pelo zelo, paciência e fome”. Ela gostava de consolá-lo com as palavras que mais lhe feriam o coração: “ah, meu pastel amado!” Declaração que corroborava o pensamento da sociedade e que ele desprezava. Mas gostava de sorrir para compensar o sacrifício da mãe.
Quando se cansou de se sentir uma presa fácil para degustação de seus amigos, Oscar fingiu estar cego para pegar seus inimigos distraídos. Uma vez cego, não podia ver seu corpo no espelho. Dessa forma, enxergou seu coração, seu interior e descobriu o poder da palavra. A sua fome coincidia com uma voracidade verbal que sempre tivera e desconhecia, preocupado em se defender daqueles que queriam vê-lo em uma frigideira.
Ainda que no conto não se faça qualquer referência bíblica, nessa passagem pode ser feito um paralelo com a parábola, descrita nos evangelhos de Marcos e Mateus, em que Jesus diz que não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai da boca. O que entra não pode contaminá-lo, pois não vai para o coração, mas o que sai vem do coração. Desvendando os segredos das palavras, Oscar tomou para si a sua identidade confiscada.

A mãe desconhecia esse novo filho, que era uma labareda empenhada em viver e que possuía um evidente jeito de carrasco. Essas metáforas indicam que Oscar tinha muita vontade de viver com energia. O jeito de carrasco fica por conta da mãe, pois ela havia sido egoísta com o filho, cultivando nele sentimentos negativos, para que ela pudesse ser a única a lhe salvar das injustiças exteriores. Ela via seu filho como homem pela primeira vez, aos trinta anos. Ele agora é que cuidaria dela, adotando as mesmas atitudes de vigiá-la, como ela sempre havia feito com ele. A dúvida ficaria com ela, pois Oscar sabia que a verdade vem de dentro, não de palavras proferidas pelos outros.

quinta-feira, 31 de março de 2016

O IDIOMA DO PODER

Entrevista com o professor titular de linguística e semiótica da USP, Izidoro Blikstein.

Que político se expressa melhor, na sua opinião? Barack Obama, que tem repertório, fluência, é agradável e fala com um sorriso aberto.

Como avalia o discurso da presidente Dilma Rousseff? Ele tem sempre entonação de imposição, o que extingue o poder de persuasão. Quando ela lê discursos, separa o sujeito do verbo, cita frases pela metade, lê algo que acaba em outra página e, muitas vezes, nem percebe. Por alguma razão, a presidente Dilma não é capaz de fazer um plano mental de organização de ideias, faltam-lhe coesão e coerência. Pode haver aí uma questão de ordem psíquica, mas só mesmo um psiquiatra para avaliar.

De que outra personalidade o senhor elogiaria o discurso? Da atriz Denise Fraga. Ela fala pausadamente, transmite seu recado – ainda que não agrade a quem está ouvindo – sem arrogância, gesticula de forma amigável e, assim, envolve o outro.

Como fazer para convencer alguém apenas com a palavra? Não desconsidere uma pergunta indevida ou descabida. Não humilhe o outro. Outra dica é evitar o “eu acho”. Achismos não são nada. O contato visual também é importante, exceto em alguns países orientais, como o Japão, onde ele é considerado invasivo. No Brasil, passa empatia.

O que faz todo mundo cochilar ouvindo um discurso? Linguagem rebuscada, o que é diferente de linguagem erudita.

Quais são as frases certeiras para pedir um aumento? Uma pessoa que apresentou bons resultados no passado e ainda não teve aumento, para consegui-lo, deve buscar algum tipo de atualização ou de nova qualificação profissional e explicar ao chefe que gostaria de realizá-la com um incentivo financeiro. Falar que “gostaria de um plano de carreira” também é bom.

Pode dar três conselhos para falar bem em público? Organize as ideias de acordo com o tempo que você terá e, antes de falar, ensaie a apresentação. Fale de forma suave. Envolva a plateia com uma brincadeira, cite um filme ou até conte uma história pessoal que tenha a ver com o que será apresentado. Isso se chama, no nosso jargão, gancho.


Por Thaís Botelho – Veja de 30 de março de 2016. p.32

A Metamorfose, de Franz Kafka


Franz Kafka (1883-1924) foi um dos escritores mais importantes do século XX. Nasceu em Praga (atual República Tcheca), em uma família judia, e compôs suas obras em alemão. Sua vida foi marcada pela relação difícil com o pai, pelos complicados relacionamentos afetivos e, por fim, pela tuberculose, que lhe consumiu os derradeiros anos. A prosa de Kafka desenvolve-se num mundo de pesadelo, em que predomina a solidão do individuo, indefeso diante do poder. 
A Metamorfose foi escrita em 1912, dois anos antes do início da Primeira Guerra Mundial, e publicada em 1915. O clima de agonia e pessimismo mantido por Kafka é apontado por alguns autores como relação direta com o cenário mundial daquela época. Cem anos depois (2015), a obra permanece atual, uma vez que aborda temas como crise existencial, desesperança, pessimismo, solidão e impotência.

Síntese da obra
É uma narrativa em que o personagem central, Gregor Samsa, desperta, certa manhã, transformado em um monstruoso inseto. A história se desenvolve em torno das mudanças de comportamento que Gregor observa em si e na sua família. Em primeiro lugar, narra-se a transformação e as primeiras reações do protagonista; em seguida, apresenta-se sua rendição a essa condição; por fim há o perecimento da personagem.
A perda da dimensão humana é provocada e assegurada por duas instâncias: o trabalho e a família. No primeiro caso, Gregor (que era caixeiro-viajante) se sentia preso ao trabalho, por causa de uma dívida da família. Ele não gostava do emprego e era explorado pelo patrão, por meio de um grande número de horas trabalhadas, o que lhe causava muito desgaste físico e mental. Sua rotina era muito irregular, em vista das muitas viagens que era obrigado a realizar, impossibilitando-o de criar vínculos de amizade e ter atividades de lazer.
Angustiado com o emprego que era obrigado a suportar, visando manter a família, Gregor, já como inseto, se sente enganado pelo pai quando o ouve seu mexer no cofre e tirar dinheiro do seu interior, era o que sobrara de sua falência. Somado ao salário que Gregor lhe entregava, o pai tinha uma boa quantia que poderia ser usada agora que ele estava impossibilitado de trabalhar.
Se antes de sua transformação, ele era o único responsável pelo sustento da família, uma vez inseto, a família assegura essa nova condição, afastando-o do convívio de seus membros, levando-o a ser completamente ignorado enquanto ser humano e identificado como um inseto imundo.
O pai, ao perceber o estado do filho, torna-se autoritário e violento, inibindo o que poderia ser uma tentativa de recuperação do filho, sendo, dessa forma, a figura responsável pelo isolamento do personagem.
A sua irmã, Grete, pode ser considerada o elemento que fornece as condições necessárias para manter o estado em que a integridade humana deste personagem se esvai, pois é ela que o alimenta e mantém limpo seu quarto. No primeiro dia, ela deixa para ele uma tigela de leite com pão, seu alimento preferido, porém, ao perceber que ele não gosta mais dessa comida, ela decide lhe servir restos de alimentos que são consumidos pelo irmão até determinado momento.  Talvez inconscientemente, ela lhe retira seu caráter humano, individual e social.
Como o irmão não tem como manifestar seus desejos, ela evita que sua mãe o veja, e observa seus hábitos. Assim, resolve ajustar o quarto para que ele possa se movimentar melhor e se adaptar à sua nova condição, fato que o torna submisso à irmã. Pode-se inferir que, por trás de uma máscara de boas intenções, ela o conduzia ao perecimento, pois quando ela percebe que ele não mais oferece perigo, o abandona.
A mãe parece ser o único membro da família que nutre algum sentimento pelo filho e tem esperanças que ele volte a ser o que era, condoendo-se com o seu sofrimento e tentando tomar a sua defesa. Mas sucumbe aos argumentos da filha, que a convence de que não pode interceder pelo filho.
Com o passar do tempo, o pai arruma emprego como segurança em um banco, e a mãe e a filha costuram roupas íntimas para vender. Gregor se torna, portanto, desnecessário. Aos poucos vai sendo esquecido no quarto, que se torna um cômodo para entulhos.
Passados alguns meses, Grete diz que a situação não pode mais continuar. Era preciso se livrar daquilo (não pronunciava o nome de Gregor). Ela argumenta que não se pode associar aquele monstro ao irmão Gregor, pois “se fosse Gregor, ele teria, há muito tempo, compreendido que o convívio de seres humanos com um bicho não é possível e teria ido embora voluntariamente”. Gregor ouve o desabafo da irmã, pois se encontrava no corredor da casa. Ele volta para o quarto e sua irmã se adianta e fecha a porta, gritando para a família “finalmente”, como se houvesse empurrado o irmão com os pés para dentro do quarto. Gregor fica deitado de costas com uma maçã apodrecida nas costas inflamadas. Nessa madrugada ele morre. A família se sente aliviada e sai para um passeio, onde falam de seus empregos e da necessidade de se mudarem para um apartamento menor, porém melhor situado.
Análises
A interpretação de uma obra depende de muitos fatores, por exemplo, o autor, ao escrevê-la tem em mente um leitor e, a partir dessa expectativa, produz sua narrativa. No entanto, outros leitores terão acesso à sua obra. Esses leitores construirão sua leitura a partir de seus conhecimentos de mundo, do contexto em que a obra foi escrita, assim como da biografia do autor, uma vez que todos esses elementos poderão ajudar na compreensão do texto.
Em uma das análises de A metamorfose, é possível concluir que o distanciamento em relação ao real encontrado na obra exige justamente uma revisão do real. Isso ocorre devido à atmosfera de não-normalidade que emerge das linhas e das entrelinhas da narrativa. A transformação de Gregor em um inseto exige que se questione sobre as razões disso e que se pergunte o que significa ser um inseto.
De acordo com Umberto Eco (1994), para se compreender uma obra de ficção é preciso acreditar naquilo que está escrito. Eco diz “é espantoso um homem acordar e se ver transformado em inseto; contudo, se realmente se transformou, tal inseto deve ter as características normais de um inseto normal”. A descrição inicial do despertar do personagem e se ver transformado em inseto constitui um exemplo de realismo, não de surrealismo. “Só nos cabe fingir acreditar que esse inseto comum é gigantesco”.
 “Mais adiante parece absurdo que, sem se fazer perguntas”, a família aceita a transformação, embora com reações iguais a de qualquer pessoa que se visse na mesma situação. “Kafka precisa situar sua história inverossímil num ambiente verossímil”.
Segundo Todorov (2014), as narrativas de Kafka constituem um exemplo de indeterminação de sentido. A estranheza causada pelos seus textos fez com que seus primeiros intérpretes os considerassem “parábolas mal disfarçadas de outra coisa”. Muitos questionamentos são levantados como a possibilidade de problemas religiosos, “a antecipação de mazelas de um mundo por demais materialista e burocratizado”, ou as dificuldades de relacionamento de Kafka com seu pai, assim como as dificuldades encontradas para se casar.
“A abundância de interpretações as torna suspeitas e conduziu uma segunda onda de exegetas a afirmar que a característica do texto kafkiano é de fato se prestar a uma pluralidade de interpretações, sem autenticar nenhuma”, expõe o autor.
Segundo W. Emrich:
Todas as possibilidades de interpretação permanecem abertas. Cada uma contém certa verossimilhança e nenhuma é segura de maneira unívoca. [...] A característica da obra de Kafka reside precisamente no fato de que nenhum sentido determinável de modo inequívoco pode ser fixado “por trás” das aparências, os acontecimentos e os discursos que a preenchem... (in Todorov, p.106)

Supondo-se que essa declaração possa ser verdadeira, “por qual meio Kafka produz esse efeito de simbolismo indecidível?”, indaga Todorov, e cita uma explicação de Marthe Robert:  “os próprios acontecimentos, representados nessas narrativas, só são instâncias de interpretação – e de interpretação impossível; o simbólico é, ao mesmo tempo, o princípio construtor e o tema fundamental do texto”.

100 anos de A Metamorfose
Para comemorar os 100 anos de A Metamorfose, o correspondente da GloboNews em Praga, Pedro Verdova, a fim de colher informações para o programa semanal sobre literatura da emissora, e exibido em 7 de novembro de 2015, conversou com a diretora da Sociedade Franz Kafka de Praga, Marketa Malisova. Kafka, que escreveu seus romances em alemão, é pouco conhecido em sua terra natal. Também foi entrevistada a professora da UFF e tradutora de Kafka, Susana Kampff Lages, dessa vez por Edney Silvestre no Rio de Janeiro. Susana participa de um atlas internacional sobre o escritor tcheco. O projeto pretende reunir informações e artigos sobre a recepção da obra kafkiana em todo o mundo.
De acordo com reportagem da Agência EFE, publicada em 1º de outubro de 2015, “muitos estudiosos de Kafka interpretaram sua transformação como uma metáfora sobre o peso insuportável da responsabilidade”. Marketa Malisova chancela esta interpretação: "Kafka a escreveu sob a influência de todas as circunstâncias que lhe afetavam. O sentido de A Metamorfose foi válido há 500 anos e será válido dentro de mil", comentou. “Com o tempo, esta obra que reflete, de certa forma a experiência vital do autor, se transformou em seu romance mais conhecido”.
Na mesma matéria, seu biógrafo tcheco, o filólogo Josef Cermak, declara que “Kafka nunca foi profeta em sua terra e que suas primeiras traduções foram realizadas por intelectuais de tendência anarquista, o que criou a ideia de que era um autor revolucionário”.Com a instauração comunista após a guerra, a obra de Kafka foi proibida, por ser considerado um escritor reacionário.
Mesmo quem nunca leu Kafka já ouviu o adjetivo "kafkiano". A palavra pode resumir a perplexidade diante do bizarro. A expressão surgiu com Franz Kafka, pois o escritor descrevia situações absurdas como se narrasse algo banal.
A narrativa começa com a descrição da transformação de Gregor em inseto. Dois parágrafos depois, a metamorfose já não o angustia, pois ele se preocupava mais com o atraso no trabalho do que com a nova aparência. A frieza chocante faz parte do estilo de Kafka, que narra o insólito e o torna o impossível provável.
Em algumas obras, Kafka humaniza os animais, como ratos e macacos. Mas o desconhecido inseto de A Metamorfose é a figura mais obscura. Em que exatamente o protagonista se transforma? A palavra em alemão descreve bichos, sobretudo de seis patas. Há pistas, mas nada permite afirmar qual o tipo de inseto.
Gregor Samsa se transformara em um inseto que poderia ser uma imagem interior de si mesmo. Tanto que o título em alemão é "A Transformação". A tradução como metamorfose não agradou ao escritor tcheco. A metamorfose seria a metáfora da humilhação de um personagem submisso. Um homem que aceitou passivamente virar do avesso, se transformar em alguém que ele não queria ser.
As tentativas de adaptação à nova situação deixam os personagens frustrados, aumentado sua agonia. Mas o próprio Kafka percebeu o mundo assim, uma vez que Praga pertencia ao Império Austro-Húngaro. Sua cidade natal era dividida em três grupos: alemães, a minoria que dirigia o país; judeus, em geral com acesso à cultura; e os tchecos, a base da sociedade.
Uma divisão nítida em Praga, mas não em Kafka. Era um judeu, de cidadania austro-húngara, nascido em território tcheco e se expressava em alemão. Sentia-se um estranho, um "convidado no planeta”. Questionava tudo: “o que tenho eu em comum com o judaísmo? Mal chego a ter algo em comum comigo mesmo."
"Era uma briga entre o advogado, o burocrata e o escritor. A sociedade e o Estado exigiam que o homem tivesse um bom salário e um bom emprego. Ele devia levar dinheiro para a família. Mas para Kafka isso não era o mais importante. Escrever era o mais importante", explica Marketa Malisova.
Em Carta ao pai, pode-se ver que o pai expansivo e autoritário deixou pouco espaço para o filho. A grande figura paterna levou Kafka a um mutismo quase total dentro de casa. Isso fez com que ele aliviasse seus conflitos nos papéis. Essa carta é interpretada pelo próprio autor com “de advogado”, mas, além de seu caráter literário, ela apresenta elementos autobiográficos.
Seus escritos resultaram em uma obra bem mais autobiográfica do que a média. O período em que trabalhou em uma empresa de seguros foi matéria-prima para muitos romances. O sentimento do advogado Kafka era o mesmo do caixeiro-viajante de A Metamorfose: inadequação e sensação de perda de tempo. Ele queria ser completamente livre para poder escrever. "Tudo o que não é literatura me aborrece. Eu odeio até as conversas sobre literatura.", escreveu Kafka.
Kafka não se rendia a qualquer atividade que não fosse a sua vocação para a escrita. Em sua vida particular, noivou e desfez o noivado por duas vezes, além disso, cultivava romances impossíveis, com regras que ele mesmo criava. O autor forjou um exílio interior que o afastava de todos. Em agosto de 1917, foi diagnosticado com tuberculose.
“Não há nada mais kafkaniano que um escritor reverenciado no mundo não ter o mesmo prestígio onde nasceu”, declara Verdova. “Ele tinha um estilo muito metafórico e simbólico. Era muito particular. Às vezes, você lê coisas em que não acredita. Ao mesmo tempo, você pode comparar. Ele tem um estilo muito especial, muito simples, muito claro", afirma Malisova.
Educado em um liceu alemão, língua da mãe, optou por se expressar assim. A escolha incomodou os nacionalistas, que somente muitos anos depois se reconciliam com Kafka. Uma homenagem em Praga lembra o pesadelo recorrente do escritor: sentia-se perseguido por um monstro sem cabeça e mãos. A escultura sugere que Kafka dominou tudo aquilo que o perturbava.

O duplo na literatura
A questão do duplo atrai, por séculos, atenção de diversos teóricos e pesquisadores de vários campos do saber como a psicanálise, a filosofia, e estudos literários. Na literatura, ele se destaca por meio dos movimentos literários e por entre os gêneros, com destaque para a  literatura fantástica, assim como para as imitações elaboradas com os gêneros do estranho e do maravilhoso, e seus subgêneros híbridos, aqueles gêneros que possuem características de mais de um gênero, como a crônica, por exemplo, que tem características do texto informativo e do texto literário.
Segundo Lima (2014), a presença do duplo na literatura pode implicar em uma dimensão de fusão das características encontradas na figura do outro, ou gerar uma cisão. “A ideia de uma metamorfose também se encontra muitas vezes atrelada ao duplo: tornar-se algo, o processo de encontrar em si algo de estranho e familiar, de estrangeiro, catalisado pelo outro”.
De acordo com Lima (2014), “é de uma animalidade que fala diretamente ao humano que fala Kafka. A dimensão de um automatismo, de uma humanidade fadada a uma espécie de perda, de torção da própria humanidade em si mesma. Kafka nos esclarece sobre aquilo que há de animal, de inumano e bestial no seio de nossa própria humanidade familiar”. Em suas obras, o mundo animal é mais do que uma metáfora cômica. Na inserção de animais, o mais interessante é que eles ocupam um papel duplo, como se falassem tanto como a voz interior de Kafka, quanto como a voz dos próprios personagens.

Outras leituras
De acordo com Beatriz Hübner, A Metamorfose é uma história que retrata a indiferença do homem perante o absurdo do mundo. O ponto culminante da obra é quando Gregor deixa de ser capaz de se expressar na linguagem humana e assim de se comunicar.   Mas sua metamorfose segue além da modificação física e cognitiva: exilado em seu silêncio, seus pensamentos e sentimentos continuam sendo humanos. A leitura da obra instiga sensações e impressões variadas que, mesmo depois de concluída, várias perguntas permanecem sem resposta e muitas lacunas precisam ser preenchidas.
Em seu ensaio O Estranho, Freud se propõe a investigar as condições que promovem o aparecimento do estranhamento, considerando-as como fatores básicos de retorno de um conteúdo reprimido, qualquer que fosse seu afeto original. O que era conhecido e deveria ter permanecido oculto, aflorou-se. Adorno (1998) veria nesse mesmo fenômeno uma forma de não se conciliar com o mundo da mercadoria. Platão já havia observado o estranhamento. O filósofo considerava a arte não apenas algo feito para encantar os sentidos, mas como formadora de caráter, com o objetivo de ensinar o homem a pensar.
“A escrita literária de Kafka, por ser protocolar, é marcada por seu tom desapegado, imparcial e impessoal, atentando ao menor detalhe e abrangendo os temas de alienação e perseguição, sendo a culpa o motor constante” (Anders, 1969).
O trabalho é uma questão relevante para análise. Gregor era sugado pela família, mas após o incidente, é ele que passa a ser o parasita da família, o que ensejou o desabrochar laboral da família (Benjamin,1996). De forma que, tanto o capitalista quanto o marxista pode apontar a questão do trabalho como tema central da obra.
Segundo Hübner, sua transformação poderia ser simbólica, uma metáfora para representar alguma deficiência que geraria preconceitos. Poderia, ainda, representar uma súbita mudança de postura diante da vida, de ideias e pensamentos.
Outro ponto relevante a destacar, de acordo com Hübner, é a maçã que, biblicamente é fruto do conhecimento do bem e do mal, e pode sugerir algumas analogias, como a expulsão de Gregor de seu “paraíso” de ilusão e engano. A questão do número 3 também pode ser colocada. Segundo Nabokov (1986), há três quartos na casa, três portas no quarto de Gregor, Kafka nasceu no dia três, escreveu três cartas ao seu pai, tinha três irmãs e cresceu sob a influência de três culturas. A trindade é um símbolo místico, religioso e cabalístico. Infelizmente, não há como saber o que Kafka queria dizer aos seus leitores sobre esse número.

Considerações finais
Pode-se inferir, a partir da leitura do livro e das análises pesquisadas, que há várias leituras possíveis para uma obra bastante complexa e que já conta 100 anos de existência.
A meu ver, a transformação do personagem acontece em seu interior, tendo em vista que Gregor se sentia bastante insatisfeito com sua vida, principalmente em relação ao seu trabalho. Um inseto é um animal pequeno do qual ninguém gosta, e por se sentir diminuído diante da grandiosidade das responsabilidades que se vê obrigado a executar durante muitos anos, a transformação poderia fazer com que seus familiares lhe dessem mais atenção e valor. Ele poderia ganhar liberdade para fazer o que achasse mais conveniente e lhe desse mais prazer em viver.
Como não poderia ser mais explorado tanto pela família quanto pelo patrão, ele se vê abandonado por ambos, fato que o conduz à morte. Mas a morte é do inseto que se encontra em seu interior. Ele pode, portanto, ter renascido como homem. Há, inclusive, já no final do relato, a passagem em que a irmã diz que precisam ficar livre dele, sem pronunciar seu nome. Ela fala que aquele monstro não é o seu irmão, pois se fosse ele, de acordo com sua personalidade, já teria ido embora para não causar transtornos à família.
O uso de metáforas em sua obra pode sugerir uma opção do autor em não se expor. Utilizar suas narrativas como uma válvula de escape aos diversos transtornos ocorridos em sua vida era algo urgente e necessário, mas que não precisava ser revelado.
Por se tratar de uma obra de ficção, e considerando o estilo metafórico e simbólico de Kafka, pode ser feita uma leitura em que caiba a transformação como algo que se possa acreditar. E a partir da construção desse sentido, ao desfecho caberão outras interpretações.

REFERÊNCIAS

Agência EFE Brasil. A Metamorfose de Kafka completa 100 anos ignorada na República Tcheca. Disponível em <  http://www.efe.com/efe/brasil/cultura/a-metamorfose-de-kafka-completa-100-anos-ignorada-na-republica-tcheca/50000241-2727552> visitado em 3 mar 2016.

ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

HÜBNER, Beatriz. Franz Kafka, A metamorfose: possíveis leituras. Disponível em < filologia.org.br/iiijnlflp/textos_completos/pdf/Franz%20kafka,%20a%20metamorfose%20–%20possíveis%20leituras%20-%20BEATRIZ.pdf > visitado em 5 mar 2016.

KAFKA, Fanz. A metamorfose. Tradução de Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

KAFKA, Fanz. Carta ao pai. Tradução de Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM, 2013.

LIMA, Rita Isadora Pessoa Soares de. O duplo inesperado: uma análise contrastante do duplo velado e incidental na literatura (Tese de Doutorado/UFF/Orientadora: Susana Kampff Lages).  Anais do V Seminário dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras, Estudos de Literatura, UFF, nº 1, 2014. Disponível em < www.anaisdosappil.uff.br/index.php/VSAPPIL-Lit/article/view/215 > visitado em 29 fev 2016.

TODOROV, Tzvetan. Simbolismo e interpretação. Tradução de Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

VERDOVA, Pedro. A metamorfose, de Franz Kafka, completa 100 anos. Disponível em < g1.globo.com/globo-news/noticia/2015/11/metamorfose-de-franz-kafka-completa-100-anos.html > visitado em 29 fev 2016.



O mercador de Veneza: comparação livro e filme


A peça O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, escrita no século XVI, será comparada, neste trabalho, ao filme homônimo, dirigido por Michael Radford em 2004. O tema das obras é o pagamento de uma dívida, contraída por Antônio, um cristão, a Shylock, um judeu. Essa dívida deveria ser quitada no período de dois meses e, se isso não acontecesse, Antônio pagaria como multa uma libra de sua carne. Essa estratégia foi utilizada pelo judeu para se vingar, uma vez que sempre fora maltratado por Antônio. Naquela época os judeus não podiam adquirir propriedades, por isso eles emprestavam dinheiro cobrando juros altos. Essa atividade causava repugnância aos cristãos habitantes de Veneza.
O empréstimo foi feito por Antônio, uma vez que ele não tinha dinheiro porque seus navios ainda não haviam retornado do mar, para ajudar seu amigo Bassânio, um jovem pródigo com sua fortuna que tinha urgência em viajar até Belmonte para se casar com Pórcia, filha de um homem bom e rico. Esse homem, mesmo morto,desejou interferir no destino da filha, deixando-lhe três caixas - uma de ouro, representando a ambição; outra de prata, o mérito e, por fim uma de chumbo, simbolizando o risco, e caberia ao pretendente mais inteligente e despretensioso encontrar o retrato da filha dentro de uma das caixas e se casar com ela. Já apaixonada por Bassânio, Pórcia sinaliza-lhe como escolher a caixa certa entoando uma canção com sons de sinos badalando com força (bronze, ferro ou chumbo!).
Na data marcada para o pagamento da dívida, os navios ainda não haviam chegado a Veneza, e Antônio não pôde cumprir o seu compromisso junto a Shylock. Em vista disso, o julgamento foi providenciado. Nesse dia, Shylock justifica a sua vingança por meio de um discurso de igualdade entre os homens, em que tanto os cristãos quanto os judeus são seres humanos, sujeitos a erros e acertos. Ele conclui que se os cristãos podem ser pessoas más e vingativas, os judeus também podem ser assim. Esse raciocínio em defesa da vingança é falso, tendo em vista que Shylock não poderia generalizar com argumentos envolvendo toda a humanidade a partir de suas experiências e observações particulares. Ao ser questionado sobre o que faria com a carne, ele explica que ela não teria muita serventia, senão para ser usada como isca em pescaria, mas que ela alimentaria sua vingança. Shylock estava bastante exaltado também porque Jéssica, sua filha, havia fugido com um cristão e levado grande parte de sua fortuna.
Durante o julgamento, Pórcia e Nerissa se apresentam ao Doge como juiz e assistente, respectivamente. Elas se vestem com roupas masculinas, porque somente os homens tinham o poder das palavras e das leis. Dessa forma Pórcia colabora para o desfecho jurídico, valendo-se do poder da lei e de suas argumentações, alterando toda a situação.
Como toda obra literária, o autor trabalha com o simbólico, com a subjetividade, relação marcada pela contradição que todo ser mantém com o outro. O judeu Shylock e o cristão Antônio se relacionam por conveniência; Pórcia e Bassânio assumem o papel de mulher determinada e homem frágil e imaturo; Jéssica se divide entre o ódio de ter o sangue judeu herdado do pai e o amor proibido por um cristão.
Livro e filme trazem reflexões acerca de valores humanos, as lutas entre o bem e o mal, o justo e o injusto, sendo irrelevante se são cristãos ou judeus. Tratam, ainda, de elementos espirituais como da insignificância da carne humana, da precariedade da vida terrena e do sentimento de que viver significa arriscar-se.Em ambas as obras, há realce de sentimentos negativos como a tristeza, a solidão, o preconceito, mas, principalmente, a clemência, esta com o intuito de chamar a atenção sobre a justiça divina.
De acordo com a socióloga Cristina Costa[1], as transformações do Renascimento, época em que o individualismo era estimulado e o homem assume seu papel na história como agente dos acontecimentos, se expressaram na arte e trouxeram aos personagens de Shakespeare “as dificuldades humanas diante de sentimentos contraditórios e da liberdade de ação”. Segundo a autora, em Romeu e Julieta,,há um conflito entre o indivíduo e a sociedade, uma vez que o drama dos amantes de Verona decorre da oposição entre as regras sociais vigentes e a vontade individual dos heróis”.
Tanto a peça quanto a película divisam duas premissas, a legalidade e a justiça. A partir dessas premissas, pode-se inferir que o poder da lei é maior que o da justiça, fato universal e presente em nossos dias. Constata-se, ainda, que as leis são feitas pelos homens e, portanto, imperfeitas, enquanto a justiça é divina, sujeita aos desígnios de Deus, ser superior. De acordo com o professor Hans Kelsen[2], “a tarefa que consiste em obter, a partir da lei, a única sentença justa (certa) ou o único ato administrativo correto é, no essencial, idêntica à tarefa de quem se proponha, nos quadros da Constituição, criar as únicas leis justas (certas). Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as únicas leis corretas, tampouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças corretas”. Sobre justiça cabe ressaltar opinião do também professor Chaïm Perelman[3], “[...] para que a pesagem (ato de distribuir justiça) seja feita de modo imparcial, desprovido de paixão – o que quer dizer sem temor, sem ódio e também sem piedade -, é necessário que a justiça tenha os olhos vendados, que não veja as consequências do que faz: dura Lex, sed Lex”.
Além de tratar das questões sobre valores e justiça, pode-se ampliar a comparação entre as obras, destacando-se algumas  (Há pequenas diferenças como sexualidade, tempo, o papel da mulher, a condição dos judeus, entre outros. Enquanto na tela a homossexualidade de Antônio e Bassânio é explícita, no livro, ela é sugerida. No filme, é feita uma contextualização da situação dos judeus, situando o espectador  historicamente. Informa-se que os judeus deveriam viver separados dos cristãos e usar uma boina vermelha para serem reconhecidos nas ruas. Em sua obra, Shakespeare narra apenas o fato de que os judeus são a escória da sociedade.
A questão do tempo não é coerente em nenhuma das artes, entretanto no teatro, por ser ao vivo, a passagem do tempo não traz estranhamento para a plateia, uma vez que cenas se sucedem, mudam-se os cenários e a obra pode ser compreendida. Essa compreensão acompanha também a leitura da peça. Com a intenção de se manter fiel ao texto, o filme apresenta situações desconexas, tendo em vista que a linguagem cinematográfica tem seus limites quando se trata de fazer adaptação de alguma obra literária.  As distâncias, por exemplo, chamam a atenção, porque os mesmos espaços são percorridos em tempos diferentes. O escritor Umberto Eco[4] fala sobre as duas linguagens e explica que “Também no filme, às vezes mais do que no romance, existem os “vazios” das coisas não ditas (ou não mostradas) que o espectador tem de preencher se quiser dar sentido à história. Aliás, se um romance pode ter páginas à disposição para tracejar a psicologia de uma personagem, o filme, não raro, tem de limitar-se a um gesto, a uma fugaz expressão do rosto, a uma fala de diálogo.”
O dramaturgo e o diretor realçam a inteligência e determinação de Pórcia, o que faz dela a heroína desta história. Ao direcionar a escolha da caixa certa, prova-se se tratar de uma mulher de caráter forte, que dissimula ser a escolhida quando na verdade a decisão é dela, fato sutilmente elaborado por Pórcia, não caracterizando traição aos desejos do pai. E ainda, é dela a iniciativa de ir a Veneza e defender Antônio no julgamento. No livro apreendemos sua personalidade por meio de suas atitudes e pensamentos, enquanto no filme contamos com os seus olhares.
Os recursos utilizados pelo autor de um livro e pelo diretor de um filme para delinear a personalidade de seus personagens são, com certeza, diferentes. Shakespeare O autor faz malabarismos com seus personagens, utilizando máscaras de todas as formas, para mostrar o grande jogo de aparências e hipocrisia existente naquela sociedade. Esse jogo pode ser visto também no cinema. Na tela, como as máscaras são visíveis, tem-se a impressão de que são alegorias, como as utilizadas em festas à fantasia ou nos carnavais.
As análises aqui apresentadas com certeza não abrangem a magnitude desta obra, considerando-se a grandiosidade de seu autor, que deixa na superfície do texto uma tragédia não consumada e nas entrelinhas uma gama de reflexões, críticas, paixões e valores inseridos no ser humano desde sempre. Michael Radford fez uma boa leitura, pois tal como a peça, ele também deixa lacunas para serem preenchidas pelo espectador.

REFERÊNCIAS
COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade. 3ª Ed. São Paulo: Moderna, 2005.
ECO, Umberto. A diferença entre livro e filme. Entrelivros, São Paulo, n. 7, p.98, nov. 2005.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica: nova retórica. São Paulo; Martins Fontes, 1998.
RADFORD, Michael. O mercador de Veneza. Califórnia Filmes, 2004.
SHAKESPEARE, William. O mercador de Veneza. São Paulo: Martin Claret, 2006.





[1] Costa, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade, 2005, p.30 e 39.
[2] Kelsen, Hans. Teoria pura do Direito, 2006, p.393
[3] Perelman, Chaïm. Lógica Jurídica: nova retórica, 1998, p.33
[4] A diferença entre livro e filme, publicado na revista EntreLivros em novembro de 2005, p.98