terça-feira, 10 de janeiro de 2017

OS ENAMORAMENTOS

“[...] há quem pense que o enamoramento é uma invenção moderna saída dos romances. Seja como for, já temos a invenção, a palavra e a capacidade para o sentimento.”

Em Os Enamoramentos, de Javíer Marias, narrado por María Dolz, encontram-se outras vozes, sejam para ratificar suas especulações ou para lhe revelar outras perspectivas. A sua voz aponta uma série de hipóteses a respeito da vida, dos fatos em que se vê envolvida, do amor, das ilusões e traições. Por meio de suas conjecturas, que na maioria das vezes revelam o que realmente acontecia, surge o relato e a capacidade das pessoas em fantasiar situações que não conhecem.

O livro, além de apresentar questionamentos acerca do amor e da paixão, é rico em intertextualidade (Balzac, Shakespeare, Cervantes e Zola), assim como a fatos históricos relativos à corrupção, a guerras e à justiça. Há, ainda, discussões relacionadas às obras de ficção.

Interessante a protagonista trabalhar em uma editora, criticar escritores vaidosos e utilizar a palavra escrita com maestria, sugerindo a possibilidade de ter escrito este livro. Ela faz, ainda, algumas críticas à literatura, ironizando o fato do trabalho literário não ser considerado um trabalho de fato.

María observa tudo detalhadamente. Utiliza advérbios condicionais e verbos no subjuntivo para que o leitor saiba que ela está especulando, refletindo, diante de situações que, a princípio, não se ligavam à sua vida. Ela consegue, ainda, refletir sob a perspectiva de outra pessoa, o que ela poderia estar pensando ou como deveria estar agindo.

Faz algumas considerações sobre a distância entre a pessoa que delega a outra um assassinato ou determinações políticas. Quem manda não se considera uma pessoa cruel ou manipuladora. Fala também sobre a morte, “que tudo continuará sem nós, que nada para porque um desaparece”. “A única coisa verdadeira e, além disso, definitiva, é o que aquele que vai morrer vê ou crê imediatamente antes da partida, porque para ele não há mais história”. Cita alguns fatos históricos nas figuras de Mussolini e Franco, assim como da violência da guerra civil espanhola.

O tema principal é o enamoramento, o amor apaixonado que acontece sem que as pessoas decidam quem será a eleita. Surge também independente do outro ser aquilo que idealizamos, mas que durante o enamoramento, muitas vezes, não se percebe quem é realmente o outro (autoengano).
No conto de Balzac há um trecho, traduzido por Varela, no qual uma mãe pode matar um filho em detrimento do outro. Para María, não se costuma pensar que uma mãe distinguiria seus filhos, mesmo que pudessem ser de pais diferentes. O que pode acontecer, porém, é uma mãe educar um filho para sua perdição e morte, e não matá-lo sem mais nem menos.


Em vista das discussões a respeito da ficção, o que acontece em um romance não tem muita importância, diz Varela, pois as pessoas o esquecem depois de terminada a leitura. O que interessa neles “são as possibilidades e ideias que nos inoculam e trazem através de seus casos imaginários, nós os guardamos com mais nitidez do que os acontecimentos reais e os levamos mais a sério”. “A ficção tem a faculdade de nos mostrar o que não conhecemos e o que não acontece”, deixando aos leitores imaginar.