Clarice
Lispector - 1947, Berna – Suíça
“Não
pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de
vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se
sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro... Há certos momentos
em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos
me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade
e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma
em boi. Assim fiquei eu... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer
minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a
forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a
minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você, sobretudo o que imagina
que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu
único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se
sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que
uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que
lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida
amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.
Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o
que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma”
Em 95, o escritor Caio Fernando Abreu, então colunista do jornal O Estado de São Paulo, publicou uma carta que teria sido escrita por Clarice Lispector a uma amiga brasileira. Ele comenta, no artigo, que não há nada que comprove sua autenticidade, a não ser o estilo-não estilo de escrita de Clarice Lispector. Ele dizia: "A beleza e o conteúdo de humanidade que a carta contém valem a pena a publicação..."