“[...] há quem pense que o
enamoramento é uma invenção moderna saída dos romances. Seja como for, já temos
a invenção, a palavra e a capacidade para o sentimento.”
Em Os
Enamoramentos, de Javíer Marias, narrado por María
Dolz, encontram-se outras vozes, sejam para ratificar suas especulações ou para
lhe revelar outras perspectivas. A sua voz aponta uma série de hipóteses a
respeito da vida, dos fatos em que se vê envolvida, do amor, das ilusões e
traições. Por meio de suas conjecturas, que na maioria das vezes revelam o que
realmente acontecia, surge o relato e a capacidade das pessoas em fantasiar
situações que não conhecem.
O
livro, além de apresentar questionamentos acerca do amor e da paixão, é rico em
intertextualidade (Balzac, Shakespeare, Cervantes e Zola), assim como a fatos
históricos relativos à corrupção, a guerras e à justiça. Há, ainda, discussões
relacionadas às obras de ficção.
Interessante
a protagonista trabalhar em uma editora, criticar escritores vaidosos e utilizar
a palavra escrita com maestria, sugerindo a possibilidade de ter escrito este
livro. Ela faz, ainda, algumas críticas à literatura, ironizando o fato do
trabalho literário não ser considerado um trabalho de fato.
María
observa tudo detalhadamente. Utiliza advérbios condicionais e verbos no
subjuntivo para que o leitor saiba que ela está especulando, refletindo, diante
de situações que, a princípio, não se ligavam à sua vida. Ela consegue, ainda,
refletir sob a perspectiva de outra pessoa, o que ela poderia estar pensando ou
como deveria estar agindo.
Faz
algumas considerações sobre a distância entre a pessoa que delega a outra um
assassinato ou determinações políticas. Quem manda não se considera uma pessoa
cruel ou manipuladora. Fala também sobre a morte, “que tudo continuará sem nós,
que nada para porque um desaparece”. “A única coisa verdadeira e, além disso,
definitiva, é o que aquele que vai morrer vê ou crê imediatamente antes da
partida, porque para ele não há mais história”. Cita alguns fatos históricos
nas figuras de Mussolini e Franco, assim como da violência da guerra civil
espanhola.
O
tema principal é o enamoramento, o amor apaixonado que acontece sem que as
pessoas decidam quem será a eleita. Surge também independente do outro ser
aquilo que idealizamos, mas que durante o enamoramento, muitas vezes, não se
percebe quem é realmente o outro (autoengano).
No
conto de Balzac há um trecho, traduzido por Varela, no qual uma mãe pode matar
um filho em detrimento do outro. Para María, não se costuma pensar que uma mãe
distinguiria seus filhos, mesmo que pudessem ser de pais diferentes. O que pode
acontecer, porém, é uma mãe educar um filho para sua perdição e morte, e não
matá-lo sem mais nem menos.
Em
vista das discussões a respeito da ficção, o que acontece em um romance não tem
muita importância, diz Varela, pois as pessoas o esquecem depois de terminada a
leitura. O que interessa neles “são as possibilidades e ideias que nos inoculam
e trazem através de seus casos imaginários, nós os guardamos com mais nitidez
do que os acontecimentos reais e os levamos mais a sério”. “A ficção tem a
faculdade de nos mostrar o que não conhecemos e o que não acontece”, deixando
aos leitores imaginar.