O Evangelho da Incerteza

O livro O Evangelho da Incerteza, de Wanda Fabian, aguçou minha curiosidade depois que José Midlim, em uma entrevista, disse que tinha gostado muito do livro. A história se passa em uma pequena cidade do interior, provavelmente perto do Rio de Janeiro. A narradora conta a vida de Maria da Redenção e sua família, e o envolvimento desta com as pessoas da cidade. O romance faz críticas aos costumes católicos, ao catolicismo como um todo, historicamente remetido à Santa Inquisição, período negro de sua trajetória. Por outro lado, traz experiências que traduzem paz e conforto.

O título faz menção aos escritos sagrados e questiona, por meio das incertezas, quais as melhores escolhas o ser humano pode fazer para ser feliz. Os capítulos se intercalam entre o presente e as lembranças, e o último o explica o primeiro.

Glauco é ateu convicto, um homem frustrado por não ter se formado em Direito, se casa com Doralice, uma linda moça, que se transformou em uma mulher gorda e fanática pela religião católica. Eles têm duas filhas, Maria da Redenção, a Denção, e Maria da Conceição, a Ceição. A primeira é linda, inteligente e muito amada pelo pai. A outra é muito alegre e tem o jeito da mãe.

Glauco se sente traído, pois se casara com uma bela mulher e hoje tinha outra, diferente em vários sentidos, como esposa. Ao mesmo tempo que a chamava de “Doralindíssima”, a humilhava pela sua ignorância, gordura e pelos seus modos interioranos.

O romance cria uma expectativa de incesto pelo modo como o pai protegia Denção. Ele não queria que ela tivesse amigos, nem que se casasse. Ele a instruía e a queria só para si mesmo.

A existência de Deus está sempre sendo questionada na narrativa. A descrença de Glauco se parece, às vezes, como uma maneira de ser diferente e superior à mulher. Assim, eles discutem quando Glauco diz que Jesus foi um homem muito inteligente, que falava por parábolas. Para ele, Jesus não tinha a intenção de ser compreendido, pois suas palavras destinavam a pessoas de muito saber. Isso ia contra a fé de Doralice, que vivia pensando em uma maneira de converter o marido.

A religião tem uma força enorme sobre as pessoas da cidade e comanda suas vidas. O destino das mulheres é o casamento, a maternidade e carregar a sua cruz. O marido deveria trabalhar e suprir o lar. O homem tem o direito de ter uma vida diferente fora do lar: bebidas, jogos ou amantes. Com resignação as esposas tinham que aceitar.

Por mais que as jovens não concordassem com a situação, acabam fazendo parte do jogo. Foi o que aconteceu a Ceição, que se sujeitou àquele tipo de vida, por falta de coragem de tentar mudar e ser discriminada pela sociedade. Denção, como ficamos sabendo no final, havia fugido da cidade e se casado com um homem mais velho e desquitado.

Doente, quase para morrer, Glauco se converte ao catolicismo para agradar a esposa, por outro lado, foi a forma que encontrou para que ela o deixasse em paz com essa história de fé, Deus, Jesus e santos.

O principal objetivo do romance é levantar questionamentos a respeito da religião e sua ação tanto na sociedade quanto em algumas pessoas, em particular. A religião como forma de poder para alguns e como porta de sofrimento para outros.