“Serena”, de Ian McEvan, é um livro bem interessante. No início,
tem-se a impressão de que Serena é uma patricinha que gosta de ler romances do
tipo água com açúcar, mas seus questionamentos acerca da vida, política e
cultura mostram que ela tem conteúdo. Quando surgem referências históricas, o
livro fica mais interessante. A aproximação e o namoro entre Tom e Serena, com
os dilemas morais dela por causa dos seus segredos, valorizam a narrativa.
Narrado em primeira pessoa, pela personagem central, Serena
é uma jovem, filha de um bispo anglicano
e de uma dona-de-casa. Por insistência da mãe, de aparência conservadora, mas
que esconde seus anseios feministas das lutas dos anos 70, ela desiste de
estudar Literatura e cursa Matemática em Cambridge, e se forma como uma
estudante mediana. A história se passa no auge da Guerra Fria, em uma Europa
onde convivem intelectuais de esquerda, em uma Londres aturdida por atentados
do IRA.
Ela se apaixona por Tony Canning, um homem mais velho e
bastante culto, sem saber que ele trabalhava para uma máquina da informação de
interesses conjuntos dos EUA e de seu país, na qual os órgãos de espionagem se
dedicam a combater as ideias daqueles que eram contra o totalitarismo. Tom ensina
a Serena sobre cultural e política, assim como tenta moldá-la com idéias anticomunistas,
a fim de que ela pudesse trabalhar no serviço secreto.
Serena recebe sua primeira missão, chamada “Tentação”, em
que deve convencer um jovem escritor e professor universitário a aceitar uma
valiosa bolsa de uma fundação que divulgará seu trabalho. O dinheiro virá do
serviço secreto, sem que ele saiba. Embora ele tenha liberdade para desenvolver
os seus temas, sua obra deve seguir os ideais governamentais. Tentar guiá-lo de
acordo com o pensamento de seus superiores, é uma das funções de Serena.
Como leitora, ela prefere os finais felizes, enquanto Tom tem
um apego quase mórbido por finais melancólicos e desalentadores. Serena diz, a
certa altura, que deve ser estabelecida uma relação de confiança do leitor para
com o autor. Ela desaprova truques literários, prefere a solidez desse pacto.
Há uma curiosidade quanto ao sobrenome do escritor Tom Haley,
que nos faz lembrar o cometa, aquele que passa a cada 72 anos. Será que Tom
apenas passaria por sua vida como um cometa? E se esse cometa trouxer bons
sentimentos e mudanças, como diz o bispo, pai de Serena, em um discurso: “Pois o amor não se põe sozinho, nem pode,
mas rasga os céus como um cometa em chamas, trazendo consigo outros bens
reluzentes – perdão, bondade, tolerância, equidade, camaradagem e amizade,
todos presos ao amor que está no coração da mensagem de Jesus”
Serena considerava o romance de Tom uma distopia (controle
de tudo com regras rígidas para segregar as minorias) anticapitalista, o que a
deixou apreensiva quanto ao julgamento que o Serviço Secreto faria a respeito. São
considerados como distopias os romances: 1984,
de George Orwell, Admirável Mundo Novo,
de Aldous Huxley e Laranja Mecânica,
de Anthony Burgess.
Contexto histórico
Uma
desregulamentação do sistema monetário internacional e dois choques
petrolíferos (em 1973 e 1979) estiveram na origem de uma crise econômica que,
no início dos anos 70, travou o ritmo de crescimento nos países
industrializados. O dólar americano foi desvalorizado e perdeu a sua paridade
relativamente ao ouro. Os países árabes membros da OPEP aumentaram quatro vezes
o preço do petróleo no espaço de três meses, quando estavam em guerra com
Israel, e nacionalizaram as instalações ocidentais.
Deu-se
também um agravamento da inflação, e a Europa entra numa fase denominada de
estagnação, uma combinação de uma recessão com o aumento da inflação. O
problema do desemprego volta a afligir as economias européias. Para agravar a
crise, os trabalhadores imigrados, em luta pelos seus postos de trabalho, são
vítimas da marginalização social e, em alguns países são alvo de movimentos
xenófobos, num período em que ressurgem as ideologias fascistas.
É
do consenso geral que dois fatores concorrem para a explicação desta crise nesta
décaca. Por um lado, era evidente a desvalorização do dólar americano, para
além da perda da sua paridade em relação ao ouro decretada pelo presidente
Nixon em 1971; por outro, as crises petrolíferas de 1973 e 1979 conduziram a um
aumento muito acentuado do preço do petróleo e este, consequentemente, dos bens
de consumo.
O
neoliberalismo traz de volta à cena o conjunto de teses econômicas conhecido
como liberalismo. Este termo define as ideias,
teorias ou doutrinas que dão primazia à liberdade individual e rejeitam
qualquer tipo de coerção do grupo ou do Estado sobre os indivíduos. No plano econômico, o liberalismo
teve notável influência no desenvolvimento do capitalismo do século XIX. Repudiava-se
qualquer intervenção do Estado na área econômica.
Surgiu
em alguns países da Europa e nos Estados Unidos como uma reação contrária ao
Estado do Bem-Estar, pois queriam a instalação de um capitalismo mais duro e
livre de regras, consideravam a desigualdade social um valor positivo e
criticavam o igualitarismo promovido pelo Estado do Bem-Estar, que entrou em
crise em 1973. Na Europa e nos EUA iniciou-se uma longa recessão que combinou
baixas taxas de crescimento econômico com altas taxas de inflação, o terreno
propício para o avanço das ideias neoliberais.
Os
partidários do neoliberalismo diziam que a crise dos anos 70 era resultado da
pressão excessiva dos sindicatos por maiores salários e por mais gastos sociais.
Pensavam que, para vencer a crise, a
meta dos governos devia ser a estabilidade monetária. Para isso,
sugeriam uma disciplina orçamentária, com contenção dos gastos para o bem-estar
social; e a restauração da taxa "natural" de desemprego, que iria
quebrar o poder dos sindicatos. Também aconselhavam os governos a adotarem
reformas fiscais para incentivo dos agentes econômicos. Na prática, essas
reformas consistiam em reduzir os impostos que recaíam sobre os mais ricos.
Para
o Estado do Bem-Estar, também chamado de welfare state, o Estado intervém na
área econômica, através de subsídios a diversos setores. Na época, isso fazia
parte de um projeto de construção nacional que, no plano político, correspondia
à democracia liberal. O Estado também era responsável pela promoção da justiça
social e do igualitarismo. (Mônica Franch, Carla Batista e Silvia Camurça).