A História da Aia,
ou O Conto da Aia, como trazem algumas traduções, de Margaret Atwood, é livro
que inquieta, encanta, surpreende ou mesmo assombra. O tema é a humanidade em perigo, em que um regime
fundamentalista e patriarcal toma o poder.
Na Republica de Gilead, outrora EUA,
num futuro próximo, literatura, arte, direitos, escolhas, pensamentos, quase
tudo se tornou proibido. Um muro exibe os corpos dos pecadores, condenados que
servem de aviso a todos. E nessa sociedade, as mulheres estão divididas em
castas e categorias bem definidas: aias, esposas, martas, tias, antimulheres. E
no absurdo dos sistemas totalitários, de controle e nos jogos de poder, o lícito
ou proibido é extremamente relativo.
Aias são mulheres férteis cuja única
função é procriar. E por serem valiosas, o domínio tenta se estender não
somente ao corpo, mas à mente dessas mulheres. Mas se falharem, podem ser
enviadas às colônias para recolher lixo radioativo, ou, dependendo da
transgressão, enforcadas e penduradas no muro. São também guerreiras, lutando
para simplesmente, sobreviver.
Todas as mulheres, de certa forma,
são humilhadas. As esposas estão presentes no momento em que seus maridos
praticam o ato sexual com as aias. Elas deitam com as pernas abertas e as aias
deitam com a cabeça em suas barrigas, e dessa forma são possuídas pelos
Comandantes.
O livro deixa algumas lacunas, que podem
ser um recurso narrativo: a história nos é apresentada de um olhar. E ao olhar
dessa narradora, nem tudo está claro, nem tudo é explicado. (resumi o texto de
Tânia Souza, do blog alitfan – literatura fantástica)
Talvez nada disto tenha a ver com
controle, talvez não tenha nada a ver com quem tem o direto de ser dono de
quem, ou com quem pode fazer o quê com quem, impunemente – até matar. Talvez
não tenha a ver com quem pode se sentar e quem deve se ajoelhar, ficar de pé ou
deitar-se de pernas abertas. Talvez tenha a ver com quem pode fazer o quê, com
quem, e ser perdoado por isto.
Não venha me dizer que é tudo a mesma coisa.
Não queria estar contando esta
história. (...) Não preciso contá-la. Não preciso contar nada, nem para mim nem
para ninguém. Podia ficar aqui, sossegada. Podia me recolher. É possível se
penetrar tão fundo, tão fundo, que ninguém mais nos tira de dentro de nós.
Quero ser abraçada e chamada pelo meu
nome. Quero ser valorizada de uma forma que não sou; quero ser mais do que
simplesmente valiosa. Repito meu antigo nome e me lembro de tudo que um dia eu
podia fazer, de como os outros me viam. Quero roubar alguma coisa.
Quando eu sair daqui, e se eu
conseguir registrar isto de alguma forma, mesmo que seja na forma de uma voz
falando a outra, também será uma reconstituição, mais ainda do que agora. É
impossível contar algo exatamente do jeito que foi, pois o que se conta nunca
poderá ser absolutamente exato, sempre é preciso deixar algo de lado: há
partes, ângulos, variáveis, matizes demais; gestos demais, podendo significar
isto ou aquilo; formas demais, que nunca poderão ser descritas em sua
totalidade; sabores e aromas demais, no ar ou na língua; meios-tons em excesso.
Isso eu inventei. Não foi assim que
aconteceu. O que aconteceu foi o seguinte: (...) Também não foi assim como
aconteceu. Não tenho muita certeza, agora, de como aconteceu; não exatamente.
Só posso confiar numa reconstrução.
Nenhum comentário:
Postar um comentário