terça-feira, 26 de junho de 2012

Um copo de cólera, Raduan Nassar


É a história de amor entre uma jornalista e um botânico durante a ditadura militar. O homem mora em um sítio, pois quer ficar longe dos acontecimentos. A jornalista, na cidade, pois é uma mulher engajada no movimento contra o regime autoritário.

Por causa de um formigueiro que destrói parte de uma cerca viva, o homem fica furioso, o que causa indignação na mulher. A partir daí discutem. São expostas suas contradições ideológicas e subjetivas. Eles seriam a razão e a emoção, em que um não vive sem o outro. “...a razão jamais é fria e sem paixão”, pensa ele. No meio da discussão questões são levantadas, todas de forma bruta e amarga. Ele sabia e elogia a inteligência dela: ”...não que me metessem medo as unhas que ela punha nas palavras”.

Ele faz uma alusão ao regime autoritário e, de certa forma, à natureza do ser humano quando diz que o povo nunca chegaria ao poder, “porque o povo fala e pensa, em geral, segundo a anuência de quem o domina”... “a força escrota da autoridade fundamenta toda ‘ordem’, palavra que incorpora, a um só tempo, a insuportável voz de comando e o presumível lugar das coisas”. Quando o veneno escorre de sua boca, ele incorpora o canalha que existe nele e a seduz, buscando os pontos fracos dela: os beijos e os pés dele. Assim, à medida em que ela se envolve, ela se torna sua presa, é ele quem manda e ela obedece.

 A solidão povoada de Raduan Nassar, por Pedro Maciel
 Raduan Nassar, autor de "Lavoura Arcaica", "Um copo de cólera" e "Menina a caminho" afastou-se definitivamente da literatura. "Desisti de escrever porque há um excesso de verdade no mundo” (Otto Rank). Segundo Nassar, o que o levou a escrever e depois parar foi a paixão pela literatura, que ele não sabe como começa essa paixão e porque acaba.
Nassar, filho de imigrantes libaneses, nascido em 1935, estudou direito, filosofia e exerceu o jornalismo como diretor do Jornal do Bairro (SP) nos anos 70. Desencantou-se com a imprensa de uma maneira geral. Hoje ele planta feijão e milho de pipoca numa fazenda do interior paulista. Raduan, um dos escritores mais notáveis surgidos no país depois de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, também se recusa a dar entrevistas, afinal, diz o escritor, "sou apenas um escritor passageiro".
Ao encontrá-lo recentemente, me lembrei do romance "Lavoura arcaica", que resgata a tradição cristã e a proibição do incesto, o patriarcado e a obrigação do trabalho. Os temas característicos do romance são os da tradição mediterrânea, como a terra, a plantação, a colheita, a mesa e a família. É uma parábola do filho pródigo, sem final feliz. Narrativa trágica, bíblica e helênica.
Raduan é um ser trágico, desiludido, desesperançado, atormentado como o narrador-personagem da novela "Um copo de cólera" que vive um amor irreconciliável, perturbador e erótico. Uma paixão devastadora. Os amantes tentam a todo instante abater um ao outro. Vivem um amor tumultuado, fazendo do dia-a-dia uma guerra existencial, filosófica e política.
 (Pedro Maciel é poeta, publicou "Longe da terra dentro do ar" (poesia), "Olegário das Gaiolas” (fábula). Organizou e prefaciou "Poemas Eskolhydos, de Glauber Rocha, entre outros livros.)


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