Este é o artigo publicado na revista Literatura/conhecimento prático
Com
a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, a Alemanha se reunificava
e o fim da guerra fria se iniciava. O processo que levou à derrubada do muro
durou 30 dias e ocorreu sem violência. Hoje, o país liderado pela presidente
Angela Merkel (que veio da antiga Alemanha Oriental), é visto como o líder do
continente, especialmente pela forma como reagiu à crise econômica de 2008 e à
crise do euro.
Considerando-se
que foi possível um muro ser derrubado e uma reforma política deflagrada,
instaurando-se uma democracia, e que durante 28 anos esse muro (imagem concreta
de uma política separatista) manteve afastadas famílias, parentes e amigos,
dividiu ideologias e, relegou a população oriental à estagnação econômica,
questiona-se como poderá a reforma política que se vislumbra em nosso país fazer
com que os brasileiros voltem a confiar em seus políticos? Se essa reforma se
propõe a modificar a legislação eleitoral, a fim de frear a corrupção hoje
enraizada em órgãos públicos e particulares, conseguirá atingir suas metas,
tendo em vista que a corrupção é realizada por homens acostumados a trapacear
desde tempos remotos?
Naquele
mesmo ano de 1989, o Brasil realizava sua primeira eleição direta para
presidente depois da ditadura. O sonho de um país democrático se realizava, a
esperança se estampava nos rostos das pessoas, mas muitos governos
transformaram os sonhos em pesadelos. É certo que muita coisa mudou para
melhor, mas, infelizmente, a corrupção veio à tona, e a cada dia o
descontentamento aumenta.
A
reforma política é, sem dúvida, necessária e urgente. Pode-se verificar essa
urgência nos fatos expostos no livro “O nobre deputado”, do juiz de Direito,
Márlon Reis. O deputado-personagem expõe abertamente o esquema da corrupção no
país. Sobre eleições, ele declara que “A política é movida a dinheiro, poder e
vaidade. Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta poderosa para se obter
dinheiro.” Sobre a compra de votos: “Sei que em alguns lugares o esquema é
sofisticado, cheio de meandros e mecanismos para mascarar a milenar prática da
corrupção. Para levantar dinheiro, vale fraudar licitações, desviar verbas
indenizatórias, instrumentalizar os convênios (...)”. Sobre ideologia: “No
passado, já houve uma parte significativa da classe política que chegava ao
mandato em virtude do seu prestígio e de outros valores mais nobres. Hoje a
liderança é a força do dinheiro”.
O
desvio de verbas públicas gera a falta de recursos que seriam destinados à
educação, saúde e segurança. Tudo isso acarreta péssimas condições de vida para
boa parte da população, além de instabilidade econômica para o país, de modo
geral. Essa situação, inclusive, pode ser uma das causas do tráfico de drogas,
uma vez que, não havendo investimento e controle governamental, grupos se
formam para dominar a juventude carente de esperanças no futuro próximo, governada
por instituições ineficientes.
Segundo
o antropólogo e escritor Roberto DaMatta, “alimentar os famintos, vestir os
nus, dar abrigo aos sem-teto são as palavras mágicas dessa cosmologia política
pervertida (...)”. E completa que, “(...), nada disso ocorre, exceto a utopia
de enricar sem fazer nada — apenas governando e politicando: vendo onde, quando
e quanto se pode tirar sem dolo, culpa ou remorso porque o dinheiro era do
lucro e o lucro, como na Idade Média, é roubo e pecado. E quem rouba o ladrão
tem mil anos de perdão…”
Modificar
esse esquema viciado é o que propõe a Coalizão
Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas. A Coalizão é uma iniciativa de entidades, organizações e movimentos
que se uniram para apresentar à sociedade uma proposta de Reforma Política
Democrática e realizar uma campanha unificada pela sua efetivação. Entre suas
propostas, destaca o fim do financiamento empresarial de campanha, considerado
a raiz da corrupção..
Muita
coisa mudou desde 1989, por isso muitas regras que regem a Constituição
precisam ser revistas, e uma das questões mais relevantes é a reforma política.
A partir dela, outras virão para garantir a democracia conquistada. O fato de José
Saramago ter sido um grande questionador da democracia, e fez, em seu livro
“Ensaio sobre a lucidez”, uma censura aberta ao sistema capitalista e aos seus
governos que, em nome da democracia, cometem atos arbitrários, ilegítimos e
antidemocráticos, mostra-nos quantas lutas ainda deveremos abraçar. Argumentos
pró e contra a democracia, o governo e a reforma não faltam, e são bem-vindos.
Salve
Drummond! Há uma pedra no meio do caminho. Se ela for mais leve que um muro,
poderá ser removida. Se alguma planta a envolver e criar nela raízes profundas,
ainda assim nos resta a esperança de que muitas mãos unidas consigam retirar
pelo menos a pedra, se não for possível retirar as raízes. Há pedras no caminho
que podem reconstruir um sonho esquecido.
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