sábado, 30 de julho de 2011

A caixa preta, Amoz Oz


Por meio de cartas entre os envolvidos na trama, um relacionamento é passado a limpo. Seus remetentes escreviam tudo que sentiram e sentiam em relação ao outro. Numa mesma carta encontram-se elogios, lembranças boas, assim como são colocadas as mágoas, expectativas não correspondidas, amor e ódio.

O livro começa com uma carta sendo enviada por Ilana ao seu ex-marido, Alexander, depois de sete anos de separação, em um divórcio conturbado no qual ela e filho não receberam nada em dinheiro, nem em contatos. Ela conta a Alexander os problemas que o filho deles, Boaz, vem passando. O rapaz não se adapta a nenhuma escola, é arredio, embora tenha um bom coração. Ilana mora em Jerusalém, é casada com Michel, um judeu fanático, e têm uma filha, Yifat.  Alexander é um famoso escritor e professor, residindo nos Estados Unidos, mas que viaja constantemente para dar palestras.

Depois de ler a extensa carta de Ilana, Alec responde, friamente, pedindo que ela aguarde o contato de seu advogado, Zahkeim, que lhe dará uma quantia em dinheiro, sugerida por ela, para ajudar na educação do filho. Em seguida escreve uma carta ao marido de Ilana, explicando a doação. O advogado não concorda com a forma com que Alec vem cedendo dinheiro à família de Ilana e também se manifesta por meio de cartas ou telegramas.

Por razões que a princípio Ilana não consegue explicar, talvez para deixar claro tudo que havia acontecido no passado, ela passa a escrever ao ex-marido com muita freqüência, escondido do marido. São cartas em que questiona muitos aspectos do tempo em que viveram juntos e relata, ainda, sua vida no presente. Às vezes chora, se emociona, às vezes sente raiva e esbraveja. Ele responde às cartas, e de certa forma, muitas coisas vão sendo esclarecidas.

Há também cartas trocadas entre Michel e Boaz, entre Ilana e sua irmã, Rahel, e entre Michel e Alexander. Aos poucos as cartas entre Ilana e Alec se tornam menos duras, e eles conseguem “conversar” melhor, tentando cada um entender o outro.

As referências ao judaísmo são, na maioria das vezes, feitas por Michel, que venera as escrituras, a Torá. Ele funda um movimento pela libertação de Israel. Já Alec, apesar de ser judeu, condena o fanatismo religioso. No seu livro menciona “na alma do fanático estão fundidas a violência, a redenção e a morte em única massa. Alex Guideon faz, em seu livro, uma análise lingüística precisa do vocabulário característico a todos os fanáticos nas diversas eras e nos extremos diversos do espectro religioso e ideológico.”

Interessante Alex mencionar a epígrafe do seu livro, retirada de Jesus, distinguindo-o como um delicado fanático: “Todos os que vivem pela espada, pela espada morrerão”. “Não pensem que vim trazer paz para a Terra; não vim trazer a paz, mas a espada”. No mesmo livro ele aborda o “catolicismo melado”, quando diz que a felicidade é basicamente uma banal invenção católica. No judaísmo não existe nenhum conceito de felicidade. O judaísmo reconhece apenas a alegria, efêmera. Ilana responde que há felicidade no mundo, e que o sofrimento não é o seu oposto. Cita e discorda de Tolstoi “todas as famílias felizes se parecem, enquanto as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”.

Entre as cartas surgem algumas notas escritas pelo professor Alexander Guideon em pequenas folhas. Todas as anotações são numeradas e parecem ser um exercício de reflexão de Alex, ou temas para palestras. Mais tarde fica-se sabendo que ele é uma pessoa extremamente organizada.

Nas primeiras notas há reflexões sobre o futuro, o passado e o presente. “A negação do Presente é um disfarce para a autonegação”. Nascimento e morte. Diz que a antiga língua hebraica não possui o tempo presente, apenas o particípio. O tempo não é aquele em que as palavras são lidas, mas como a representação de uma peça teatral. Paradoxalmente, o desejo de destruir o presente em nome do passado e do futuro envolve sua própria contradição: a abolição de todos os tempos. A história, junto com os poetas, é banida da república ideal de Platão. E de Jesus e de Lutero e de Marx e de Mao e de todos os outros. E habitará o lobo com o cordeiro.

Em outras notas se refere à fé, à redenção. Fala que a fé é a capacidade de não distinguir mais nada, em que se perde a auto-estima (pág. 153). Um homem se ocupa com suas próprias questões enquanto tem interesses e privacidade. Na ausência destes, pelo medo do vazio da vida, ele se volta para os assuntos dos outros.

Boaz vai morar na mansão abandonada que o pai lhe deu. Leva alguns amigos e começam as reformas, com muito entusiasmo. Ilana vai passar uns dias com ele e os amigos e leva a filha. Na mesma ocasião, sem combinações, Alec, doente, com câncer no abdômen, vai visitar o filho e, a convite dele, fica morando na casa. Michel acha que está sendo traído e quer a filha de volta. Alec lhe explica que não fora nada combinado e que Ilana resolvera ficar como enfermeira dele, que não havia qualquer relacionamento entre eles. Seus dias estavam contados. Mas Michel, assim como Alec, também quer ter sua autoridade, busca a filha e prepara os papéis de divórcio com Ilana.

O livro termina com Alec ainda vivo, porém muito fraco. Ilana escreve uma carta pedindo perdão a Michel, pedindo também que a receba de volta, pois ela o ama. Ele responde, por meio de versículos bíblicos, que Deus sempre perdoa. Quanto ao seu perdão, fica uma dúvida.

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