sábado, 30 de julho de 2011

Drummond, o poeta que não suspirava

“Quando eu nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida”. O termo “gauche”, em sentido figurado, quer dizer às avessas, do lado torto, inadaptado à realidade que o rodeia. Drummond nasceu em Itabira, uma cidade rica em minério de ferro. Seu pai era muito calado, e com sua mãe teve grandes laços de afeto.
(...) Abençoa-me e acaricia-me, porque sou sempre criança a teus olhos, enquanto o velho em mim se confirma. E se dentro de mim existires, em ti também vou existindo e nossas vidas se confundem...”

Na infância tomou gosto pelos livros e, logo que começou a estudar, fez a mais bela redação da sala. Mesmo tímido, trocava publicações com outras pessoas, revistas vindas do Rio de Janeiro, com textos de autores renomados. Aos dezoito anos mudou, com a família, para Belo Horizonte. Fez amizade com jovens boêmios como Pedro Nava, Abgar Renault, Emílio Moura, Alberto Campos, João Alphonsus de Guimarães, dentro outros, com os quais lançou o Modernismo em Minas Gerais. Nessa mesma época, iniciou o curso de Farmácia, concluído em 1925, mas não se adaptou à profissão, nem às atividades de fazendeiro como o pai. Casou-se com Dolores e passou a lecionar Português e Geografia em um ginásio, em Itabira. Voltou a Belo Horizonte, trabalhou como redator-chefe do jornal Diário de Minas, mais tarde deixou o jornal para trabalhar em outras publicações oficiais.

Em 34 mudou-se para o Rio de Janeiro e torna-se funcionário público, segundo ele, para sustentar a família. Acumula as funções de cronista e faz poesia, por vocação. Aposentou-se do funcionalismo e da crônica, jamais abandonou a poesia.

Carlos Drummond de Andrade exerceu 56 anos de atividade poética. Seus primeiros escritos são influenciados pelo movimento modernista de 1922, como Alguma Poesia e Brejo das Almas, com temas cotidianos e o predomínio do “eu”.  Em seguida passou a abordar os temas sociais e uma linguagem mais sóbria e clássica, como em Sentimento do Mundo, José e A Rosa do Povo.

Mãos Dadas:
“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
(...)
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
(...)
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

Do livro Novos Poemas até A vida passada a Limpo, os poemas tratam de temas sociais e individuais, de questionamentos sobre o sentido da vida, com muitas contradições.  Já em Lição de Coisas, o poeta sintetiza as fases anteriores, retomando o humor da primeira fase. Em suas últimas obras, cultivou a memória, os amigos, o amor, questionou a vida, os homens e a si mesmo. Os poemas de Amor Natural, considerados eróticos, surgiram como novidade na época.

Sob o chuveiro amar
Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
Ou na banheira amar, de água vestidos,
Amor escorregante, foge, prende-se,
Torna a fugir, água nos olhos, bocas,
Dança, navegação, mergulho, chuva,
Essa espuma nos ventres, a brancura
Triangular do sexo – é água, esperma,
É amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?”


A família, os amigos, a terra natal, o choque com o mundo, foram tentativas de interpretar o porquê da existência. O “eu retorcido” na busca por situar-se como indivíduo e solucionar contradições é um tema relevante em sua obra. De riso raro, Drummond fez da poesia seu canal de comunicação com  o mundo.

Em 1987, Maria Julieta, sua única filha, faleceu em decorrência de um câncer. O poeta, não suportando a perda, faleceu doze dias depois, deixando algumas obras inéditas. No poema A mesa, há um fragmento em alusão a sua filha:

“Repara um pouquinho nesta,
No queixo, no olhar, no gesto,
E na consciência profunda
E na graça menineira,
E dize, depois de tudo,
Se não é, entre meus erros,
Uma imprevista verdade.
Esta a minha explicação,
Meu verso melhor ou único,
Meu tudo preenchendo meu nada”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário